104 - O que hove no dia 31 de outubro de 1.517, data comemorada pelos protestantes?

104 - O que hove no dia 31 de outubro de 1.517, data comemorada pelos protestantes?
 
Quando, certa vez, o Frei Tetzel perto de Wittenberg pregava, e Lutero resolveu insurgir-se contra o pregador: na tarde de 31/10/1517, à porta da igreja de Wittenberg afixou, conforme o costume das disputas acadêmicas, uma lista de 95 teses em latim sobre as indulgências e pontos conexos (a culpa, a pena, a penitência, o purgatório, o primado papal). A intenção de Lutero era apenas a de combater abusos e por em clara luz a doutrina ortodoxa; na realidade, porém, as suas teses significavam a rejeição não somente das indulgências, mas também do ministério da Igreja em prol da salvação dos homens. Entre outras coisas, o frade agostiniano afirmava:
 
1) O Papa só pode perdoar penas que ele mesmo, conforme o seu juízo ou conforme as leis eclesiásticas, tenha imposto (tese 5);
 
2) As indulgências não podem ser aplicadas às almas no purgatório (tese 8 a 29);
 
3) A verdadeira contrição, sem decreto de indulgências, confere ao cristão plena remissão do pecado e da culpa (teses 36 e 37);
 
4) Á Igreja hierárquica, na remissão das culpas, toca apenas uma função declaratória, isto é, a Igreja apenas pode reconhecer que o penitente já foi diretamente perdoado por Deus no seu íntimo em virtude do seu arrependimento; Ela não transmite o perdão de Deus (teses 6 e 7);
 
5) Lutero negava o tesouro de graças de Cristo e dos Santos (o assim chamado “tesouro da lgreja”), que é o pressuposto da doutrina das indulgências (tese 58).
 
Nesta lista de Wittenberg, não aparece a tese da fé fiducial (fé – confiança, mediante a qual o cristão seria salvo), mas ocorre um conceito equivalente ao da penitência meramente subjetiva; a contrição pessoal substituiria a Penitência sacramental; a mediação de Igreja como Sacramento primordial era posta de lado, em benefício de uma atitude meramente subjetiva do cristão diante de Deus. A Reforma protestante se achava toda em gérmen na atitude e nas teses de Lutero.
 
 
As teses de Lutero espalharam-se rapidamente pela Alemanha e o estrangeiro, chegando até Roma. A Santa Sé mandou o Cardeal Caetano, bom teólogo da época, a Augsburgo para ouvir Lutero (12-14/10/1518); não conseguiu, porém, demovê-Io de suas posições doutrinárias.
 
O brado de revolta de Lutero encontrou ressonância fácil entre os príncipes da Alemanha, que tinham antigos ressentimentos contra a Santa Sé por questões políticas. Também a pequena nobreza apoiava Lutero, porque da revolução religiosa esperava uma revolução social que satisfizesse aos seus anseios. Entre os protetores de Lutero, começou a destacar-se o príncipe Frederico o Sábio, da Saxônia.falsasdoutrinas
 
Em 1519 deu-se em Leipzig famosa disputação pública, em que Lutero expôs mais claramente sua doutrina: só é verdade religioso aquilo que se pode provar pela S. Escritura (princípio básico do protestantismo); atacou outrossim o primado do Papa. – os ânimos se acendiam cada vez mais mediante panfletos com caricaturas e sátiras.
 
Em 1520 (15/06), o Papa Leão X publicou a Bula Exsurge, que condenava 41 sentenças de Lutero, ordenava a combustão dos seus escritos e ameaçava Lutero de excomunhão, caso não se submetesse dentro de sessenta dias. Em dezembro desse mesmo ano o frade queimou a Bula e um livro de Direito Eclesiástico em praça pública. Em resposta, o Papa excomungou formalmente Lutero aos 03/01/1521. Este gesto do Papa exigia tomada de posição clara da parte dos seguidores do reformador.
 
Lutero interpelava calorosamente os seus compatriotas alemães, principalmente mediante três obras que se tornaram clássicas: o Manifesto à Nobreza Alemã, no qual exortava os príncipes a assumir a reforma da Cristandade, constituindo uma Igreja alemã independente; o Cativeiro da Babilônia, que considerava os sacramentos, regulamentados pela Igreja, como um cativeiro; só ficariam o Batismo e a Ceia, operando pela fé do sujeito; Da Liberdade Cristã, que concebe a Igreja como uma comunidade invisível, da qual só fazem parte os que vivem da verdadeira fé.
 
Em 1521 deu-se a Dieta 59 de Worms, à qual Lutero compareceu na presença do Imperador Carlos V; recusou retratar-se; pelo que foi condenado à morte. Todavia Frederico o Sábio escondeu o frade rebelde no Castelo de Wartburg, onde ficou dez meses (maio 1521 – março 1522) sob o pseudônimo de “Cavaleiro Jorge”; começou então a tradução da Bíblia para o alemão a partir dos originais, obra de linguagem magistral, traço de união entre os partidários do reformador; só foi completada em 1534. No castelo de Wartburg Lutero sofreu crises nervosas assaz violentas, que ele considerava como assaltos diabólicos.
 
Enquanto Lutero se conservava oculto em Wartburg, a agitação crescia em Wittenberg; os clérigos casavam-se; a Missa era substituída pelo rito da Ceia do Senhor, em que se recebiam pão e vinho sem confissão previa nem jejum eucarístico; as imagens dos santos eram removidas (…). Mais: apareceu a corrente dos anabatistas, que interpretavam ousadamente o pensamento de Lutero, negando o batismo às crianças (já que o Sacramento só é eficaz pela fé de quem o recebe) e batizando de novo os adultos; preconizavam uma “Igreja de Santos”, cujos membros estariam em contato direto com o Espírito Santo. Posto a par da confusão, Lutero deixou seu esconderijo e voltou a Wittenberg, indo morar no seu antigo convento, já esvaziado de frades e doado por Frederico o Sábio a Lutero como residência; ali o reformador em 1525 casou-se com Catarina de Bora, monja cisterciense apóstata, e teve seus filhos.
 
Lutero conseguiu, com o apoio do braço secular, restabelecer a ordem em Wittenberg. Mas teve que enfrentar a revolta dos camponeses (1524-25), que, esmagados por tributos, valiam-se da proclamação de liberdade feita por Lutero para reivindicar sua liberdade frente aos senhores civis e eclesiásticos. Thomas Münzer, chefe dos anabatistas, incitava os camponeses a revolta. Lutero hesitou diante dessa insurreição, mas acabou optando pela sufocação violenta dos revoltosos; Thomas Mbnzer foi decapitado. Esta atitude fez que Lutero perdesse parte da sua popularidade; a sua nova “Igreja” não seria de povo e comunidade, mas de príncipes e regiões. Os anabatistas mereceriam a adesão das classes mais humildes (são os Batistas de nossos tempos).
 
A situação religiosa e política fervilhava cada vez mais. Muitas vozes de reis, príncipes e nobres se levantaram, ora para defender, ora para combater Lutero. Muitos apregoaram a convocação de um Concílio Ecumênico.
 
Em 1529 realizou-se uma Dieta em Espira (Alemanha): determinou que não se fariam mudanças religiosas nos territórios do país, de modo que ficaria estabilizada a onda de reforma luterana até se reunir um Concílio Ecumênico. Esta resolução favorecia, de certo modo, os católicos, pois os avanços do luteranismo eram contínuos. Em consequência, seis príncipes e quatorze cidades imperais, aos 19/04/1529, protestaram contra a decisão. Este gesto lhes valeu o nome de “protestantes” em lugar da expressão viriboni (ou crentes) que eles davam a si mesmos.
 
Os últimos anos de vida de Lutero foram angustiosos para o reformador por diversos motivos: os aborrecimentos e as decepções se somavam aos achaques corporais; via que se alastravam a indisciplina e a procura de interesses particulares nos territórios reformados; os príncipes dominavam as questões religiosas. Lutero depositava suas esperanpas num próximo fim de mundo. Em 1543 escreveu ansioso: “Vinde, Senhor Jesus, vinde, os males ultrapassaram a medida. é preciso que tudo estoure. Amém”. – Finalmente morreu aos 18/02/1546 em sua cidade natal de Eisleben.
 
Após ter jantado pela última vez, diz uma narração duvidosa, Lutero com giz escreveu o verso que outrora compusera em Schmalkalde durante grave enfermidade: “Pestis eram vivus; moriens ero mors tua, Papa! – Papa, minha vida era a tua peste; minha morte será a tua morte!”. Em nossos dias a animosidade que Lutero nutriu para com o Papado e a Igreja, muito se atenuou; têm-se realizado frutuosas conversações teológicas entre católicos e luteranos, que vêm mais e mais aproximando os irmãos entre si.
 
 

Para entender melhor, veja:

  1.  Lutero e suas 95 teses
  2. Papa Leão X e Frei Tetzel, o camelô de Indulgências

 

 
 
Referência: Prof. Felipe Aquino; História da Igreja: A Reforma Protestante (Parte 1)