73-O celibato por amor ao reino dos céus

73-O celibato por amor ao reino dos céus
O celibato por amor ao reino dos céus
Os três primeiros ciclos de catequeses de São João Paulo visam responder à pergunta: O que é a sexualidade humana? Neste quarto ciclo que se inicia, surge uma outra questão: Como viver a sexualidade?
 
O Papa continua a leitura do capítulo 19 de Mateus, iniciada no primeiro painel do tríptico. Ao ser questionado por fariseus, que O queriam por à prova, Jesus responde, mas sua resposta suscita uma reação nos discípulos e enseja outra resposta do Mestre:
 
Seus discípulos disseram-lhe: Se tal é a condição do homem a respeito da mulher, é melhor não se casar! Respondeu ele: Nem todos são capazes de compreender o sentido desta palavra, mas somente aqueles a quem foi dado. Porque há eunucos que o são desde o ventre de suas mães, há eunucos tornados tais pelas mãos dos homens e há eunucos que a si mesmos se fizeram eunucos por amor do Reino dos céus. Quem puder compreender, compreenda.[01]
É justamente a resposta de Jesus que o Papa usa para iniciar esse quarto ciclo, em que abordará a questão da vocação do ser humano. Ele diz que “a revelação cristã reconhece duas formas específicas de realização completa da vocação do amor do ser humano: matrimônio e virgindade ou celibato”[02]. E continua dizendo que “tanto uma quanto a outra, em sua forma própria, representa a realização da verdade mais profunda a respeito de o homem ter sido criado à imagem de Deus”[03]. Neste primeiro momento, abordará o celibato.
 
Existem homens, como bem frisou Nosso Senhor Jesus Cristo, que são fisicamente incapazes de ter relações sexuais: os “eunucos”. E Ele diz que estão divididos em três categorias: a primeira, daqueles acometidos por um problema genético - nasceram assim; a segunda, daqueles que foram castrados (antigamente era comum um rei mandar castrar o escravo escolhido para cuidar das esposas reais) e, por fim, a terceira, daqueles que assim se fizeram por causa dos Reino dos Céus.
 
O celibato por amor a Deus ilumina de forma extraordinária o matrimônio, pois recorda aos esposos que a finalidade de cada um é a vida eterna, o casamento eterno com Deus. Juntos, o casal deve caminhar rumo ao seu objetivo, sem colocar um no outro a razão da felicidade, pois isso seria destruidor para ambos. O sacerdote, por sua vez, à luz do matrimônio, deve se recordar que está despojado de si mesmo em função do outro, como um esposo deve ser.
 
Por isso o celibato é uma grande riqueza da Igreja e aboli-lo seria, de certa forma, destruir o matrimônio, pois é ele que lança luz e recorda a verdadeira finalidade do ser humano: contemplar Deus face a face.
 
É bom lembrar que foi num mundo pagão que o celibato cristão surgiu. Os primeiros celibatários eram vistos como pessoas pervertidas e foram acusados de inúmeras depravações. Na medida, porém, que o mundo foi sendo convertido, também o celibato foi sendo entendido como dom de Deus. Portanto, ter fé é um pré-requisito para se entender a sua grandeza. Daí a importância do Anúncio: é preciso que as pessoas sejam convertidas para compreenderem.
 
O celibato possui três características muito importantes que lhe dão o sentido e a eficácia: 1. ele é livre; 2. ele é sobrenatural; 3. ele é místico. Todas elas demandam uma profunda vida espiritual, sem a qual perde toda a sua razão de ser e pode se tornar até mesmo fonte de doença psicológica, afetiva e espiritual.
 
A liberdade é a primeira característica do celibato. Ora, na Igreja existem dois tipos de pessoas: aquelas que tem a vocação divina para o matrimônio e aquelas que tem a vocação divina para o celibato. O que existe no mundo hoje é uma crise de ambas as vocações. Se faltam vocações sacerdotais, faltam também matrimoniais. Há uma escassez visível de homens vocacionados para o casamento, para serem pais de família, esposos fiéis.
 
A solução para as duas crises não é abolir o celibato dos padres, mas fazer com que todos vivam suas próprias vocações de maneira plena. Sendo Igreja de modo coerente, pois uma comunidade tem tantas vocações quanto a sua conversão merece. Uma comunidade não convertida não tem vocações.
 
Por isso, quanto antes a mentalidade mundana for deixada de lado mais vocações florescerão. Anunciar o Evangelho, pensar nas coisas do céu, amar Jesus, cuidar dos pobres, viver a fé, tudo isso haverá de contribuir para novas e verdadeiras vocações, tanto matrimoniais quanto sacerdotais.
 
A Igreja, por sua vez, chama ao sacerdócio os jovens que possuem vocação para o celibato. É a primeira vocação. Quando um jovem se decide a Igreja o separa e o direciona para a posição correta. Uns podem se tornar monges, outros religiosos, outros sacerdotes.
 
A vocação ao celibato, portanto, precede a vocação sacerdotal, pois na primeira a escolha é livre e pessoal, já na segunda depende de um chamado da Igreja. Ninguém tem direito de ser ordenado padre.
 
Por ser livre, o celibato é também sobrenatural. Por isso, ele é totalmente incompreensível para aqueles que não têm fé. Esse é um dos fatores da crise atual. Não crer na ação de Deus, em sua presença, em seu poder de transformar e capacitar o ser humano para o voo rumo ao céu, faz com que não se creia igualmente na possibilidade da vivência do celibato.
 
O celibato tem a ver com a vida espiritual, por isso não é possível que um padre, uma religiosa, um religioso viva sem oração, sem muita oração. Mesmo com uma vida apostólica é preciso ter oração, até para ter algo a oferecer aos irmãos. Não é possível viver o celibato sem a graça do Espírito Santo.
 
Os grandes santos e doutores da Igreja concordam que na vida espiritual existem ao menos três grandes fases: a purgativa, a iluminativa e a unitiva. [04] A primeira é quando a pessoa deixa para trás os grandes pecados, os mortais. Depois de muita penitência e oração, ela entra na segunda fase, mais próxima de Deus e, por fim, a terceira, quando está quase que totalmente configurada a Cristo.
 
Os mesmos santos atestam que na fase iluminativa a sexualidade é vivida de forma mais serena. Os problemas das outras fases são superados, embora sempre exista a tentação e a possibilidade real de se cometer o pecado. No entanto, para eles é claro que a pessoa passa a viver a própria sexualidade de forma mais pacífica e que até mesmo as manifestações físicas se arrefecem.
 
Os seminários foram criados justamente para fazer com que aqueles com vocação divina para o celibato passem pela via purgativa e adentrem à iluminativa, já com a sexualidade ordenada para a vida sacerdotal.
 
Diante da profundidade das três características, pode-se compreender também que o problema da pedofilia não está no celibato, mas que reside na sexualidade desordenada, não purificada, tanto do celibatário quanto do casado. Abolir o celibato, portanto, não é a solução para a pedofilia, mas sim, a cura da sexualidade por meio de um aprofundamento na vida espiritual, na via purgativa.
 
Assim, a luta do celibatário vivendo uma vida ascética e mística deve ser uma luz que ilumina o esposo e o estimula a viver também de forma plena o seu próprio chamado.
 
Referências

 

  1. Evangelho de São Mateus 19, 12
  2. WEST, Christopher, Teologia do Corpo para principiantes: Uma introdução básica à revolução sexual por João Paulo II, Ed. Myrian, Porto Alegre, 2008, pag. 79-89.
  3. idem
  4. Santa Teresa de Jesus, São João da Cruz, Santo Tomás de Aquino.
 
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