26. A Providência e o escândalo do mal

26. A Providência e o escândalo do mal
Um dos grandes questionamentos da humanidade é o motivo de o Mal existir no mundo. A inteligência humana, por ser limitada, não é capaz de apreender a dimensão da visão de Deus, fixando-se apenas no momento presente. Assim, não consegue compreender claramente o propósito divino diante de acontecimentos tristes ou de certos infortúnios cotidianos. Deus, por sua vez, compreende ao mesmo tempo tanto o passado, o presente e o futuro; a vida atual e o caminho trilhado para a vida eterna de cada um.
 
 
Dando sequência ao estudo sobre a Providência divina uma questão crucial e que não é disfarçada nem mesmo Catecismo é aquela que se refere ao escândalo do mal. Ele indaga:
 
“Se Deus Pai todo-poderoso, Criador do mundo ordenado e bom, cuida de todas as suas criaturas, por que então o mal existe? Para esta pergunta tão premente quão inevitável, tão dolorosa quanto misteriosa, não há uma resposta rápida.” (309)
Infelizmente, na teologia liberal atual está acontecendo uma espécie de trapaça: para livrar Deus da acusação de que Ele seria a origem do mal, os teólogos acabam caindo numa espécie de “deísmo”, tal como o Padre André Torres Queiruga e a sua obra “Repensar o mal: da ponerologia à teodicéia”. Ponerologiaem> significa o estudo do mal e da maldade; teodiceia, por sua vez, quer dizer ‘a justificativa de Deus’ e esse termo foi inventado pelos filósofos exatamente como um esforço para filosoficamente livrar Deus da acusação de ser mau ou então de não existir, por causa da existência do mal no mundo. O que o Padre Torres Queiruga faz,nesse esforço, é amarrar as mãos de Deus.
 
O referido padre argumenta que Deus criou o mundo e, em sua sabedoria e inteligência criou leis, as quais não pode quebrar. Se ele pudesse fazer milagres, quebrando-as, seria possível então dizer que Ele é culpado do mal no mundo. Ocorre, porém, que Deus fez o mundo de forma sábia e bondosa, mas é o homem o responsável para levar o mundo para a frente; portanto, a culpa do mal é do homem. O Padre tem razões, mas não tem razão.
 
De fato, se o mal existe é também culpa do homem. No entanto, não se pode dizer que Deus não age na criação. O Padre Queiruga parte de um preconceito liberal modernista expresso claramente em Bultmann, que diz que não é possível ao homem moderno usar as tecnologias e ainda assim crer nos milagres do Novo Testamento. Não é crível pensar que Deus ressuscitou dos mortos, por exemplo. E é por isso que em outros livros, como ‘Repensar a Ressurreição”, ele diz que não teria dificuldade nenhuma em continuar a crer na ressurreição mesmo se encontrasse o cadáver de Jesus. Isso ocorre porque para ele o milagre não foi uma intervenção divina na história, mas uma realidade simbólica ocorrida na meta-história. Para ele, Deus não intervém na história.
 
Ora, se todas as ações divinas, todos os milagres da fé fossem cortados, o Cristianismo como tal acabaria e se transformaria numa religião baseada em livre-pensadores e não na Revelação divina. O tipo de pensamento do Padre Queiruga conduz inevitavelmente a um tipo de religiosidade racionalista que dita para Deus o que Ele pode ou não fazer, ao invés de se aceitar a revelação divina, ou seja, aquilo que Deus de fato fez e disse ter feito. Tentar “salvar” Deus, transformando-o num pai ausente não é o melhor caminho.
 
Outros teólogos dizem que crer na Providência nada mais é do que influência neo-platônica. Ora, Platão fala de Providência divina, mas daí a não se perceber que a Sagrada Escritura fala também só pode ser miopia, ignorância, ou mais correto, desonestidade de hereges que não querem aceitar o que é a doutrina tradicional da Igreja e a revelação.
 
O Catecismo começa a responder à pergunta inicial dizendo que:
 
É o conjunto da fé cristã que constitui a resposta a esta pergunta: a bondade da criação, o drama do pecado, o amor paciente de Deus que se antecipa ao homem por suas Alianças, pela Encarnação redentora de seu Filho, pelo dom do Espírito, pelo congraçamento da Igreja, pela força dos sacramentos, pelo chamado a uma vida bem-aventurada à qual as criaturas livres são convidadas antecipadamente a assentir, mas da qual podem, por um terrível mistério, abrir mão também antecipadamente. Não há nenhum elemento da mensagem cristã que não seja, por uma parte, uma resposta à questão do mal. (309)
 
Mais importante do que responder à questão do mal é aceitar as escolhas de Deus. As pessoas são racionalistas ao ponto de querer ditar a Deus o que Ele deveria ter feito. Trata-se de um comportamento arrogante. É necessário aceitar a bondade de Deus como ela se manifesta realmente na história, inclinar a cabeça, adorá-Lo e dizer: “senhor, eu não Vos compreendo, mas eu Vos adoro e louvo pela Vossa divina providência”. (310)
 
Uma outra questão que demanda atenção e foi formulada até mesmo por Santo Tomás é a seguinte: “Mas por que Deus não criou um mundo tão perfeito que nele não possa existir mal algum? Segundo seu poder infinito, Deus sempre poderia criar algo melhor.” O Catecismo responde dizendo que:
 
Em sua sabedoria e bondade infinitas, Deus quis livremente criar um mundo “estado de caminhada” para sua perfeição última. Este devir permite, no desígnio de Deus, juntamente com o aparecimento de determinados seres, também o desaparecimento de outros, juntamente com o mais perfeito, também o menos imperfeito, juntamente com as construções da natureza, também as destruições. (310)
 
Assim, a primeira resposta que pode ser dada com relação ao mal no mundo é o mal físico, que existe porque o mundo não é o melhor dos mundos possíveis. Deus quis que assim fosse. A segunda é o mal moral. Sobre ele o Catecismo ensina:
 
Os anjos e os homens, criaturas inteligentes e livres, devem caminhar para seu destino último por livre opção e amor preferencial. Podem, no entanto, desviar-se. E, de fato, pecaram. Foi assim que o mal moral entrou no mundo, incomensuravelmente mais grave que o mal físico. Deus não é de modo algum, nem direta nem indiretamente, a causa do mal moral. Todavia, permite-o, respeitando a liberdade de sua criatura e, misteriosamente, sabe auferir dele o bem.” (311)
 
Em poucas palavras, pode-se dizer que a resposta para o mal físico é o mundo que vai se aperfeiçoando; para o mal moral, a permissão divina só ocorre “pois o Deus todo-poderoso, por ser soberanamente bom, nunca deixaria qualquer mal existir em suas obras se não fosse bastante poderoso e bom para fazer resultar o bem do próprio mal” (311), ensina Santo Agostinho.
 
Portanto, a resposta para o mal no mundo é ter uma visão sobrenatural que consiga enxergar os fatos para além das explicações puramente humanas. O Catecismo é muito claro ao dizer:
 
Cremos firmemente que Deus é o Senhor do mundo e da história. Mas os caminhos de sua providência muitas vezes nos são desconhecidos. Só no final, quando acabar o nosso conhecimento parcial, quando virmos Deus “face a face”, teremos pleno conhecimento dos caminhos pelos quais, mesmo por meio dos dramas do mal e do pecado, Deus terá conduzido sua criação até o descanso desse Sábado definitivo, em vista o qual criou o céu e a terra. (314)
 
Não se pode trapacear para explicar o problema do escândalo do mal, amarrar as mãos de Deus e dizer que não é culpado, não podia fazer nada. Não. Ele é onipotente e pode fazer tudo. E as Sagradas Escrituras contêm inúmeros relatos de intervenções divinas a todo momento; logo, essa alegação não procede. E “a permissão divina do mal físico e do mal moral é um mistério que Deus ilumina por seu Filho, Jesus Cristo, morto e ressuscitado para vencer o mal. A fé nos dá certeza de que Deus não permitiria o mal se do próprio mal não tirasse o bem, por caminhos que só conheceremos plenamente na vida eterna.” (324)