24. Creio em Deus Criador

24. Creio em Deus Criador
Não crer que Deus é criador retira do homem o alicerce que o sustenta no mundo, pois, não existiria a convicção de se pertencer a alguém. Não crer nessa verdade torna a vida do homem sem sentido.
 
 
Na aula anterior iniciou-se a reflexão acerca da criação sob o ponto de vista filosófico e o Catecismo da Igreja Católica, de certa forma, amarra o raciocínio dizendo que:
 
Sem dúvida, a inteligência humana já pode encontrar uma resposta para a questão das origens. Com efeito, a existência de Deus Criador pode ser conhecida com certeza por meio de suas obras, graças à luz da razão humana, ainda que este conhecimento seja muitas vezes obscurecido e desfigurado pelo erro. É por isso que a fé vem confirmar e iluminar a razão na compreensão correta desta verdade: “Foi pela fé que compreendemos que os mundos foram formados por uma palavra de de Deus. Por isso é que o mundo visível não tem sua origem em coisas manifestas” (Hb 11,3). (CIC 286)
O que o Catecismo está iluminando é que existe a possibilidade de uma teologia natural, ou seja, de um olhar para a criação, para a natureza e, por meio dela, chegar-se à certeza da existência de Deus. Essa possibilidade não é nova. O Concílio Vaticano I, durante o pontificado de Pio IX, em sua constituição Dei Filius que trata da Revelação, já traz a seguinte afirmação: “Se alguém disser que o Deus uno e verdadeiro, criador e Senhor nosso, não pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, por meio das coisas criadas: seja anátema” (DH 3026) A explicação desse cânon se lê um pouco antes, quando diz:
 
A mesma santa mãe Igreja sustenta e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, a partir das coisas criadas: “pois o invisível dele é divisado, sendo compreendido desde a criação do mundo, por meio do que foi feito” (Rm 1,20); mas ensina que aprouve à sua misericórdia e bondade revelar-se à humanidade a si mesmo e os eternos decretos da sua vontade, por outra via, e esta sobrenatural, conforme diz o Apóstolo: “Havendo Deus outrora em muitas ocasiões e de muitos modos falado aos pais pelos profetas, ultimamente, nestes dias, falou-nos pelo Filho” (Hb 1,1s) (DH 3004)
Depreende-se, portanto, que faz parte da fé católica dizer que a razão humana é capaz de conhecer a existência de Deus e que se existem pessoas pertencentes a outras culturas que não O conheceram é por causa da inépcia dos missionários e não por uma incapacidade da inteligência humana. E conhecer a existência de Deus é algo tão importante para o homem que, embora a mente seja capaz de chegar a esse conhecimento, “Deus, em sua ternura, quis revelar a seu Povo tudo o que é útil conhecer a este respeito”. (287)
 
Assim, foi Deus quem criou o Universo. E isso pode ser conhecido pela razão humana, mas Deus “revelou progressivamente a Israel o mistério da criação”. Ele é a causa final de tudo. Da ordem com que o Universo e todas as coisas foram criadas, se deduz que existe uma inteligência por trás da criação.
 
Ao mesmo tempo em que Deus é criador, Ele quer ser amigo de sua criação. Estas duas realidades são inseparáveis. Ele quer ter uma aliança com suas criaturas. “A criação é revelada como sendo o primeiro passo rumo a esta Aliança, como o testemunho primeiro e universal do amor todo-poderoso de Deus. Além disso, a verdade da criação se exprime com um vigor crescente na mensagem dos profetas, na oração dos salmos e da liturgia, na reflexão da sabedoria do povo eleito.” (288)
 
Deste modo, quando se lê a Bíblia, os três primeiros capítulos ocupam um lugar especialíssimo dentro do projeto da revelação divina. O primeiro fala da criação do mundo em sete dias, o segundo narra essa mesma passagem com outras palavras e o terceiro explica a origem do mal, através do pecado. “Lidas à luz de Cristo, na unidade da Sagrada Escritura e na Tradição viva da Igreja, essas palavras são a fonte principal para a catequese dos Mistérios do “princípio”: criação, queda, promessa da salvação.” (289)
 
O Catecismo prossegue abordando a criação como “obra da Santíssima Trindade”. Embora as três Pessoas exerçam o papel de Criador, por apropriação, diz-se que o Pai é o Criador, o Filho é o Redentor e o Espírito Santo, o Consolador. É isso que ele nos diz:
 
“No princípio, Deus criou o céu e a terra” (Gn 1,1). Três coisas são afirmadas nestas primeiras palavras da Escritura: o Deus eterno pôs um começo a tudo o que existe fora dele. Só ele é Criador (o verbo “criar” - em hebraico, “bara” - sempre tem como sujeito Deus). Tudo o que existe (expresso pela fórmula “o céu e a terra”) depende daquele lhe dá o ser. (290)
A fé católica pode soar escandalosa. O Evangelho de São João diz que “no princípio era o Verbo… e o Verbo era Deus… Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito” (1, 1-3). Ora, isso significa que todo o Universo e tudo o que ele contém, tudo foi feito naquele bebê que nasceu em Belém, cresceu na obscuridade em Nazaré, foi crucificado e morto em Jerusalém. Foi n’Ele que Deus criou tudo.
 
Santo Irineu de Lyon em sua obra prima Adversus Haeresis, faz uma belíssima comparação e diz que Deus, “é o criador, é o Autor, é o Ordenador. Ele fez todas as coisas por si mesmo, isto é pelo seu Verbo e Sabedoria, pelo Filho e pelo Espírito, que são como “suas mãos” (292) e é essa imagem que o Catecismo traz.
 
Em seguida, o Catecismo começa um novo número, no qual diz que “o mundo foi criado para a glória de Deus”. Não precisava criar o mundo, uma vez que é completo em si mesmo, portanto, “Deus não tem outra razão para criar a não ser o seu amor e sua bondade”. (293) Nesse sentido, é dever do homem glorificar a Deus. E Santo Irineu continua:
 
Pois a glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus: se já a revelação de Deus por meio da criação proporcionou a vida a todos os seres que vivem na terra, quanto mais a manifestação do Pai pelo Verbo proporciona a vida àqueles que vêem a Deus. (294)
Acerca do mistério da criação, a leitura dos subtítulos apresentados pelo Catecismo concede a noção da ordem com que foram criadas: “Deus cria por sabedoria e por amor”, “Deus cria do nada”, Deus cria um mundo ordenado e bom”, Deus transcende a criação e está presente nela” e “Deus mantém e sustenta a criação”. E é salutar recordar que estas são realidades dogmáticas.
 
Seja na filosofia antiga, como o platonismo, seja na moderna, como o hegelianismo, os filósofos procuram explicar a origem do Universo como sendo uma necessidade interna da divindade. Acontece que pensar nesses termos não é compatível com a fé católica, pois, “cremos que Deus criou o mundo segundo sua sabedoria. O mundo não é produto de uma necessidade qualquer, de um destino cego ou do acaso. Cremos que o mundo procede da vontade livre de Deus” (295), assim, ele poderia não ter criado e permaneceria como é.
 
Além disso, Ele cria “do nada”. Esta é uma novidade dentro da reflexão acerca da criação do Universo. Os gregos, por exemplo, achavam que Deus não era o criador propriamente dito. Para Platão, o verdadeiro criador da chamada “matéria prima” era o Demiurgo. Deus, tão somente teria contemplado as verdades eternas, usado a matéria prima e criado o mundo. Ora, dizer então que Deus criou do “nada” significa que a causalidade de Deus não precisa de matéria.
 
Já quando se fala em causalidade, utilizando a filosofia aristotélica, para fazer algo são necessárias quatro “causas”: material, formal, eficiente e final. Assim, para se fazer uma estátua é preciso: 1. causa material, o mármore; 2. causa formal, a ideia da estátua; 3.. causa eficiente, a mão no cinzel e no martelo; 4. causa final, a estátua será colocada numa igreja. Nesse viés, a causalidade divina, embora possua as três causas finais não precisa da causa material. A filosofia oriental, por sua vez, fala de uma emanação e não de uma matéria prima. Deus teria retirado um pedaço de si mesmo e, com ele, feito o mundo. Todavia, nenhuma dessas alternativas é aceita pela fé católica.
 
E o mundo criado por Deus é “ordenado e bom”, por isso, quando se vê nele a maldade e a desordem, elas certamente não vêm de Deus, podendo ter origem na corrupção do pecado ou não se trata, então, de desordem e maldade, “pois a criação é querida por Deus como um dom dirigido ao homem, como uma herança que lhe é destinada e confiada. Repetidas vezes a Igreja teve de defender a bondade da criação, inclusive do mundo material.” (299)
 
O Catecismo também condena o chamado panteísmo, que crê que tudo é Deus, quando afirma que Ele “transcende a criação e está presente nela”. A presença de Deus na criação é uma presença que sustenta as coisas no Ser. Ela não aconteceu há bilhões de anos, mas uma realidade que está acontecendo agora. Se Deus dormisse, ao acordar nada mais haveria, pois nada se sustenta sem Ele. Nesse momento, Ele está amando e sustentando todas as coisas e criaturas.
 
Estas são as características básicas do dogma da Criação e devem servir para que o católico não se deixe enganar por falsas filosofias.