21- O Sacramento da Penitência

21- O Sacramento da Penitência

Quem pode perdoar os pecados? O que é necessário ao pecador para receber o sacramento da Penitência? O que é a contrição perfeita e como alcançá-la? Entenda melhor todas essas questões na aula sobre o sacramento da Penitência.

 

Após entender a importância de cultivar em nós mesmos a virtude da penitência, já que é ela o que manterá vivos os frutos do sacramento da Penitência, é hora de compreender a sua grandeza.
É verdade que somente Deus pode perdoar os pecados, inclusive esta é uma das grandes objeções que se faz ao sacramento da Confissão. No entanto, lembremos que até mesmo Nosso Senhor Jesus Cristo escandalizou a muitos justamente ao perdoar os pecados, como fez com o paralítico:
 
Alguns dias depois, Jesus entrou novamente em Cafarnaum e souberam que ele estava em casa. Reuniu-se uma tal multidão, que não podiam encontrar lugar nem mesmo junto à porta. E ele os instruía. Trouxeram-lhe um paralítico, carregado por quatro homens. Como não pudessem apresentar-lho por causa da multidão, descobriram o teto por cima do lugar onde Jesus se achava e, por uma abertura, desceram o leito em que jazia o paralítico. Jesus, vendo-lhes a fé, disse ao paralítico: "Filho, perdoados te são os pecados." Ora, estavam ali sentados alguns escribas, que diziam uns aos outros: "Como pode este homem falar assim? Ele blasfema. Quem pode perdoar pecados senão Deus?" Mas Jesus, penetrando logo com seu espírito seus íntimos pensamentos, disse-lhes: "Por que pensais isto nos vossos corações? Que é mais fácil dizer ao paralítico: Os pecados te são perdoados, ou dizer: Levanta-te, toma o teu leito e anda? Ora, para que conheçais o poder concedido ao Filho do homem sobre a terra (disse ao paralítico), eu te ordeno: levanta-te, toma o teu leito e vai para casa." No mesmo instante, ele se levantou e, tomando o leito, foi-se embora à vista de todos. A multidão inteira encheu-se de profunda admiração e puseram-se a louvar a Deus, dizendo: "Nunca vimos coisa semelhante." (Mc 2, 1-12)
É evidente que Jesus Cristo, por ser Deus que se fez homem, também possui o poder de perdoar os pecados, como fez nessa e em outras ocasiões, e de forma completa ao morrer na Cruz, lavando-nos com seu Sangue. O católico, todavia, entende que o perdão e a salvação que brotaram da Cruz de Cristo chega a cada um através do sacramento.
 
Este é o grande problema de não se compreender a economia sacramental. Os sacramentos servem para aplicar na vida os frutos da redenção obtida na Cruz e a "vontade de Cristo é que toda a sua Igreja seja, na oração, em sua vida e em sua ação, o sinal e o instrumento do perdão e da reconciliação que ele nos conquistou ao preço de seu sangue", diz o Catecismo (1442). Portanto, à Igreja foi dado o poder de perdoar os pecados.
 
Nesse sentido, o Evangelho de São João é muito claro: "'Como o Pai me enviou também eu vos envio.' Então, soprou sobre eles e falou: 'Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, serão perdoados; a quem os retiverdes, lhe serão retidos'" (20, 21). Esta faculdade foi, portanto, transmitida para a Igreja, e faz parte do múnus de ligar e desligar dado a Pedro também por Nosso Senhor.
 
Apesar disso, o sacramento da Penitência nem sempre teve a forma atual. O poder sempre esteve presente, mas o modo de exercer sofreu algumas alterações ao longo do tempo. Inicialmente, porque se supunha que o cristão, uma vez batizado, não mais cometeria pecados graves, o sacramento da Penitência era administrado com muito rigor; em geral, as pessoas recebiam o perdão uma vez na vida e após um longo tempo de penitência.
 
Nos primeiros séculos, a reconciliação dos cristãos que haviam cometido pecados particularmente graves depois do Batismo (por exemplo, a idolatria, o homicídio ou o adultério) estava ligada a uma disciplina bastante rigorosa, segundo a qual os penitentes deviam fazer penitência pública por seus pecados, muitas vezes durante anos, antes de receber a reconciliação. A esta "ordem dos penitentes" (que incluía apenas certos pecados graves) só era admitido raramente e, em certas regiões, só uma vez na vida. (1447)
Exatamente por causa do rigor das penitências, Santa Mônica, por exemplo, não quis que Santo Agostinho fosse batizado em idade tenra, temendo que ele pudesse desviar-se e não alcançar o caminho de volta para a Igreja. Da mesma forma, o Imperador Constantino, filho de Santa Helena, permaneceu até o final da vida no rol dos catecúmenos e batizou-se somente às portas da morte.
 
Hoje, tal severidade parece exagerada. No entanto, para os primeiros cristãos ela era esperada e seria até mesmo motivo de escândalo se, para um pecado grave, a penitência fosse laxa. Veja o caso do Padre Novaciano que criticava o Papa Cornélio, por readmitir à Igreja os lapsis (aqueles que haviam pecado gravemente e cumprido a penitência rigorosa estabelecida), pois entendia que estes não tinham direito a tal concessão. Já a Igreja entendeu que esta severidade de Novaciano não era por zelo, mas sim, por rigorismo.
 
Após a morte de Novaciano, seu pensamento subsistiu em alguns locais no norte da África e dele surgiu um tempo depois o donatismo, que se caracteriza justamente por um rigor excessivo e pela não admissão à Igreja dos pecadores, mesmo após as penitências. Os cátaros, surgidos na Idade Média, também derivaram do rigorismo de Novaciano.
 
No século VI ou VII, na época da tomada da Europa pelos bárbaros, houve a necessidade de uma reevangelização, que foi promovida pelos monges celtas oriundos das Ilhas Britânicas. Tais monges, porém, utilizavam uma forma diferente para o sacramento da Penitência: em vez da penitência pública, praticavam a penitência auricular, na qual o pecador confessava-se privadamente, recebia a penitência e era absolvido só depois que a cumprisse.
 
Foi um sucesso pastoral e, em que pese a vontade dos papas da época, que prefeririam manter o jeito antigo, o modo auricular propagou-se e tornou-se aceito. Datam da mesma época os chamados livros penitenciais, ou seja, listas de penitências pré-estabelecidas conforme o pecado cometido. No entanto, devido às inúmeras dificuldades enfrentadas, a Igreja adotou um outro modo, que é de dar a penitência e em seguida a absolvição ao pecador, o qual subsiste até hoje. A respeito dessa estrutura fundamental do sacramento, ensina o Catecismo:
 
Mediante as mudanças por que passaram a disciplina e a celebração deste sacramento ao longo dos séculos, podemos dizer que a estrutura fundamental que consta de dois elementos igualmente essenciais: de um lado os atos do homem que se converte sob a ação dos Espírito Santo, a saber, a contrição, a confissão e a satisfação; de outro lado, a ação de Deus por intermédio da Igreja. A Igreja que, pelo Bispo e seus presbíteros, concede em nome de Jesus Cristo, o perdão dos pecados e fixa a modalidade da satisfação, ora pelo pecador e faz penitência com ele. Assim o pecador é curado e reintegrado na comunhão eclesial. (1448)
Sabendo que Deus Pai é a fonte de todo perdão e que esse perdão se opera por meio do sacrifício da Cruz e do "dom de seu Espírito, por meio da oração e do ministério da Igreja", ela elaborou uma fórmula própria para o rito da Penitência:
 
Deus, Pai de misericórdia, que, pela morte e ressurreição de seu Filho, reconciliou o mundo consigo e enviou o Espírito Santo para remissão dos pecados, te conceda, pelo ministério da Igreja, o perdão e a paz. E eu te absolvo dos teus pecados em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.
No rito antigo, que pode ser usado ainda, conforme facultado pelo Papa Emérito Bento XVI, a fórmula era ligeiramente diferente, vejamos:
 
Dominus noster Jesus Christus te absolvat, et ego auctoritate ipsius, qua fungor, absolvo te ab omni vinculo excommunicationis, suspensionis et interdicti, si quod incurristi, quantum ego possum, et tu indiges. 
 
(Nosso Senhor Jesus Cristo te absolva, e eu com a autoridade Dele, te absolvo de qualquer vínculo de excomunhão, suspensão e interdição, enquanto posso e tu precises).
Interessante notar que, tanto num rito quanto noutro, a absolvição sacramental significa não somente a absolvição dos pecados, mas também das respectivas penas eclesiásticas, daquelas em que o sacerdote está autorizado a absolver.
 
A estrutura do sacramento abrange os atos do penitente, que são: contrição, confissão dos pecados e a satisfação (penitência). A contrição acontece de dois modos: perfeito e imperfeito (atrição), mas, seja como for, ambas possuem algo em comum, segundo o Catecismo:
 
Entre os atos do penitente, a contrição vem em primeiro lugar. Consiste numa for da alma e detestação do pecado cometido, com a resolução de não mais pecar no futuro. (1451)
A contrição perfeita se dá quando a pessoa detesta o pecado e não quer mais cometê-lo por amor a Deus. O que move a contrição perfeita é a caridade, uma graça divina que se deve buscar e suplicar a Deus.
 
Já a atrição - estado em que vive a maior parte das pessoas -, embora seja um dom de Deus, é insuficiente, porque o penitente se arrepende de seu pecado por razões extrínsecas que não sejam a caridade e o amor a Deus. "Nasce da consideração do peso do pecado ou do temor da condenação eterna e de outras penas que ameaçam o pecador (contrição por temor)" (1453). Ela é suficiente para receber a absolvição dos pecados, mas não é perfeita.
 
Caso a contrição perfeita fosse condição para receber a absolvição, seria muito difícil ministrar esse sacramento, uma vez que ela é bastante rara.