20 - A virtude da penitência

20 - A virtude da penitência

O sacramento da Penitência recorda o incessante apelo de Cristo à conversão do coração. Mas, quais são os seus fundamentos? O que é necessário fazer para se confessar bem? Nesta aula, descubra o que é a virtude da penitência e como permanecer no mesmo "espírito de compunção" em que viveram os santos.

 

No início do Capítulo II dedicado aos sacramentos de Cura - Penitência e Unção dos Enfermos -, o Catecismo ensina que Nosso Senhor assim os instituiu, pois "quis que sua Igreja continuasse, na força do Espírito Santo, sua obra de cura e salvação." (1420)
O sacramento da Penitência, que veremos nesta aula, também é conhecido como reconciliação, conversão e confissão. O ideal seria que uma vez batizado, o cristão não voltasse a pecar, porém, é inegável que cada um traz dentro de si a tendência para o pecado. Nesse sentido, diz o Catecismo:
 
Entretanto, a nova vida recebida na iniciação cristã não suprimiu a fragilidade e a fraqueza da natureza humana, nem a inclinação ao pecado, que a tradição chama de concupiscência, que continua nos batizados para prová-los no combate da vida cristã, auxiliados pela graça de Cristo. É o combate da conversão para chegar à santidade e à vida eterna, para a qual somos incessantemente chamados pelo Senhor. (1426)
Por isso, o sacramento da Penitência também é conhecido por segunda conversão. Ademais, o próprio Jesus Cristo se refere à luta pela conversão ou metanóia (do grego antigo μετανοεῖν), quando diz que "o Reino dos céus é arrebatado à força e são os violentos que o conquistam" (Mt 11, 12). Violência esta contra si mesmo, querendo e rompendo com o pecado.
 
Portanto, antes de falar sobre o sacramento da Penitência como tal, é preciso entender o que é a virtude da penitência, pois é ela que apresenta os pressupostos do sacramento.
 
Antonio Royo Marín, em seu famoso tratado "Teología de la perfección cristiana" [1], quando fala sobre o sacramento da Confissão, trata justamente da virtude da penitência e do espírito de compunção. Ele ensina:
 
A recepção do sacramento da penitência é de uma eficácia santificadora extraordinária, mas se trata de um ato transitório que não pode repetir-se continuamente. O que deve permanecer habitualmente na alma é a virtude da penitência e o espírito de compunção, que manterão em nós os frutos do sacramento. A fim de ser breve, vamos resumir em alguns pontos as ideias fundamentais que convém ter sempre presentes:
 
1.º A virtude da penitência é um hábito sobrenatural pelo qual nos doemos dos pecados passados com intenção de removê-los da alma. Leva implícito, pois, o desejo de expiá-los.
 
2.º Esta virtude deve manifestar-se pelos atos que lhe são próprios; mas, em si mesma, é uma atitude habitual da alma que nos mantém no pesar de ter ofendido a Deus e no desejo de reparar nossas faltas. Este espírito de compunção é necessário a todos os que não viveram em uma inocência perfeita; ou seja, mais ou menos, a todos os homens do mundo.
 
3.º Quando este sentimento de contrição é profundo e habitual, proporciona à alma uma grande paz, mantém-na na humildade, é um excelente instrumento de purificação, ajuda-a a mortificar seus instintos desordenados, fortifica-a contra as tentações, impulsiona-a a empregar todos os meios a seu alcance para reparar seus pecados e é uma garantia de perseverança no caminho da perfeição. 
 
4.º Muitas almas experimentam instintiva repugnância a tudo o que signifique penitência e renúncia. Mas esse movimento instintivo – que tem sua origem nas raízes mais profundas da psicologia humana, que repele naturalmente a dor – não é obstáculo para que se possua e pratique a virtude da penitência, que, enquanto tal, reside na vontade e nada tem a ver com as rebeldias do instinto.
 
5.º O espírito de compunção é próprio de todos os santos; todos se sentiam pecadores diante de Deus. E a mesma Igreja adornou sua liturgia com fórmulas de contrição, sobretudo no rito do santo sacrifício da missa, em que se multiplicam de maneira impressionante e com verdadeira profusão (Confiteor...; aufer a nobis...; Kyrie...; qui tollis peccata mundi, miserere nobis...; pro innumerabilibus peccatis meis...; et in animo contrito...; redime me et miserere mei...; ab aeterna damnatione nos eripi...; nobis quoque peccatoribus...; dimitte nobis, debita nostra...; agnus Dei...; ab omnibus iniquitatibus meis...; Domine non sum dignus...; ut in me non remaneant scelerum macula...). Este é o espírito que anima a Igreja, esposa de Cristo, enquanto realiza neste mundo a ação mais sublime e mais santa.
 
6.º A penitência nos faz participantes dos sofrimentos e méritos de Cristo. A união a Cristo em nossos sofrimentos, além de condição indispensável para seu valor, é uma fonte inefável de consolos. Os santos não conseguiam viver sem cruz. No fundo da alma, todos repetiam o grito sublime de Santa Teresa: "Ou padecer ou morrer".
 
7.º Seguindo o pensamento e a intenção da Igreja – manifestados na fórmula que acompanha a absolvição sacramental –, temos de referir, por uma intenção explícita, os atos da virtude da penitência ao mesmo sacramento. Esta prática é de singular eficácia para a remissão de nossos pecados, para o aumento da graça e do prêmio da vida eterna: "quidquid boni feceris et mali sustinueris sit tibi in remissionem peccatorum augmentum gratiae et praemium vitae aeternae".
 
8.º Os principais meios para adquirir o espírito de penitência e de compunção são: a) A oração, já que se trata de um dom de Deus altamente santificador. O missal traz uma preciosa fórmula pro petitione lacrymarum que os antigos monges recitavam com frequência. O Miserere é também uma fórmula belíssima. b) A contemplação dos sofrimentos de Cristo por causa de nossos pecados e sua infinita misericórdia em acolher o pecador arrependido. c) A prática voluntária de mortificações e austeridades realizadas com espírito de reparação em união com Cristo.
É preciso suplicar a Deus, por meio da oração, a verdadeira contrição. E a Igreja sempre soube como pedir. No Missal antigo e ainda agora, no novo, existe um formulário específico para pedir a virtude da penitência – e o dom das lágrimas:
 
Omnípotens et mitíssime Deus, qui sitienti pópulo fontem viventis aquæ de petra produxísti: educ de cordis nostri durítia lácrimas compunctiónis; ut peccata nostra plángere valeámus, remissionémque eorum, te miseránte, mereámur accípere. Per Dominum nostrum Iesum Christum, Fílium tuum, qui tecum vivit et regnat, in unitate Spíritus Sancti, Deus, per omnia sæcula sæculorum. Amen. [2]
Referências:
 
  1. Teología de la perfección cristiana, 228
  2. Missale Romanum, Missae et orationes pro variis necessitatibus vel ad diversa, 38, Pro remissione peccatorum, B, Aliae orationes, Collecta