16. O Cânon Romano

16. O Cânon Romano

O Cânon Romano é a mais antiga oração eucarística e a mais tradicional de todo o Ocidente. Conheça, nesta aula, a sua lógica e o motivo pelo qual é chamada também de “a oração eucarística por excelência”.

 

O chamado “Cânon Romano” ou Oração Eucarística I é a mais tradicional do Ocidente e também a mais antiga. Seu núcleo já estava presente no século IV, em alguns textos de Santo Ambrósio de Milão.
 
Ocorre que este Cânon possui uma estrutura diferente das demais orações eucarísticas, chamadas também de “alexandrinas”, conforme já visto, e isto cria uma confusão quando ela é escolhida. No entanto, tal oração deveria ser privilegiada, pois é, sem sobra de dúvida, a oração eucarística por excelência.
 
O Cânon Romano é formado por dois blocos de orações, a Consagração no centro e mais dois blocos. Esses blocos formam como que asas, aproximando-se e afastando-se do núcleo que é a Consagração. Ele começa com o chamado Te Igitur:
 
Te Igitur, clementissime Pater, por Iesum Christum Dominum nostrum Filium tuum, supplices rogamus, ac petimus uti aceitabilidade habeas, et benedicas haec dona, haec munera, haec sancta sacrificia illibata." - ("A vós, Pai clementíssimo, por Jesus Cristo vosso Filho e Senhor nosso, humildemente rogamos e pedimos que aceiteis e abençoais estes dons, estas dádivas, este santo sacrifício ilibado.")
Em seguida, as intercessões. A primeira é pela Igreja como um todo, recordando o Papa, o Bispo local e todos os Bispos que cultivam a fé católica e apostólica.
 
"in primis, quae tibi offerimus pro Ecclesia tua sancta catholica: quam pacificare, custodire, adunare, et regere digneris toto orbe terrarum: una cum famulo tuo Papa nostro N. et Antistite nostro N. et omnibus orthodoxis atque catholicae et apostolicae fidei cultoribus" - ("Em primeiro lugar, nós Vo-los oferecemos, pela vossa santa Igreja católica, à qual vos dignai conceder a paz, proteger, conservar na unidade e governar, através do mundo inteiro, e também pelo vosso servo o nosso Papa..., pelo nosso Bispo..., e por todos os (bispos) ortodoxos, aos quais incumbe a guarda da fé católica e apostólica.").
A intercessão acima acontece porque não é possível rezar sem que se esteja em comunhão com a Igreja visível.
 
Na sequência, vem o chamado “communicantes” que mostra a comunhão com os santos, com o reino dos céus. Enquanto a primeira parte mostra a união com a hierarquia da Terra, neste momento, a união explicitada é com as pessoas do céu:
 
"Communicantes, et memoriam venerantes, in primis gloriosae semper Virginis Mariae, Genetricis Dei et Domini nostri Iesu Christi: sed et beati Ioseph, eiusdem Virginis Sponsi, et beatorum Apostolorum ac Martyrum tuorum, Petri et Pauli, Andreae, (Iacobi, Ioannis, Thomae, Iacobi, Philippi, Bartholomaei, Matthaei, Simonis et Thaddaei: Lini, Cleti, Clementis, Xysti, Cornelii, Cypriani, Laurentii, Chrysogoni, Ioannis et Pauli, Cosmae et Damiani) et omnium Sanctorum tuorum; quorum meritis precibusque concedas, ut in omnibus protectionis tuae muniamur auxilio. (Per Christum Dominum nostrum. Amen.)" - ("Em comunhão com toda a Igreja, veneramos a sempre Virgem Maria, Mãe de nosso Deus e Senhor Jesus Cristo, e também de S. José, o Esposo de Maria, os santos Apóstolos e Mártires: Pedro e Paulo, André, (Tiago, João e Tomé, Tiago, Filipe,Bartolomeu, Mateus, Simão e Tadeu, Lino, Cleto, Clemente, Sisto, Cornélio, Cipriano, Lourenço,Crisógono, João e Paulo, Cosme e Damião,) e a de todos os vossos santos. Por seus méritos e preces, concedei-nos sem cessar a vossa proteção. [Pelo Cristo, Senhor Nosso. Amém.]")
A função desse momento é colocar a assembleia em comunhão com a Igreja invisível. E é seguido pelo chamado “Hanc igitur”:
 
"Hanc igitur oblationem servitutis nostrae, sed et cunctae familiae tuae, quaesumus, Domine, ut placatus accipias: diesque nostros in tua pace disponas, atque ab aeterna damnatione nos eripi, et in electorum tuorum iubeas grege numerari. (Per Christum Dominum nostrum. Amen.)" - ("Recebei, ó Pai, com bondade, a oferenda de vossos servos e de toda a vossa famíia; dai-nos sempre a vossa paz, livrai-nos da condenação eterna e acolhei-nos entre os vossos eleitos. [Por Jesus Cristo, Senhor Nosso. Amém.]")
 
"Quam oblationem tu, Deus, in omnibus, quaesumus, benedictam, adscriptam, ratam, rationabilem, acceptabilemque facere digneris: ut nobis Corpus et Sanguis fiat dilectissimi Filii tui, Domini nostri Iesu Christi" - (Dignai-vos, ó Pai, aceitar e santificar estas oferendas, a fim de que se tornem para nós o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo, vosso Filho e Senhor nosso. )
Na sequência, a Consagração propriamente dita:
 
"Qui pridie quam pateretur, accepit panem in sanctas ac venerabiles manus suas,et elevatis oculis in cælum ad te Deum Patrem suum omnipotentem, tibi gratias agens, benedixit, fregit, deditque discipulis suis, dicens: Accipite, et manducate ex hoc omnes. «Hoc est enim Corpus meum, quod pro vobus tradetur.»" - ("Na noite em que ia ser entregue, Ele tomou o pão em suas mãos, elevou os olhos a vós, o Pai, deu graças e o partiu e deu a seus discípulos, dizendo: TOMAI, TODOS, E COMEI: ISTO É O MEU CORPO QUE SERÁ ENTREGUE POR VÓS.).
 
"Simili modo postquam cænatum est, accipiens et hunc præclarum Calicem in sanctas ac venerabiles manus suas: item tibi gratias agens, benedixit, deditque discipulis suis, dicens: Accipite, et bibite ex eo omnes. «Hic est enim Calix Sanguinis mei, novi et æterni testamenti: mysterium fidei: qui pro vobis et pro multis effundetur in remissionem peccatorum.» Hæc quotiescumque fecérit, in mei memóriam faciétis." - (Do mesmo modo, ao fim da ceia, Ele tomou o cálice em suas mãos, deu graças novamente e o deu a seus discípulos dizendo: TOMAI, TODOS, E BEBEI: ESTE É O CÁLICE DO MEU SANGUE, O SANGUE DA NOVA E ETERNA ALIANÇA, QUE SERÁ DERRAMADO POR VÓS E POR TODOS PARA A REMISSÃO DOS PECADOS, FAZEI ISTO EM MEMÓRIA DE MIM.”)
Após a narrativa da instituição da Eucaristia vem a recordação, chamada também de “anamnese”:
 
"Unde et memores, Domine, nos servi tui sed et plebs tua sancta, eiusdem Christi Filii tui Domini nostri tam beatæ Passionis, nec non et ab inferis Resurrectionis, sed et in cælos gloriosæ Ascensionis: offerimus præclaræ maiestati tuæ de tuis donis ac datis, hostiam puram, hostiam sanctam, hostiam immaculatam, Panem sanctum vitæ æternæ, et Calicem salutis perpetuæ." - (Celebrando, pois, a memória da paixão do vosso Filho, da sua ressurreição dentre os mortos e gloriosa ascensão aos céus, nós, vossos servos, e também vosso povo santo, vos oferecemos, ó Pai, dentre os bens que nos destes, o sacrifício perfeito e santo, pão da vida eterna e cálice da salvação.)
 
"Supplices te rogamus, omnipotens Deus, jube hæc perferri per manus sancti Angeli tui in sublime altare tuum, in conspectu divinæ majestatis tuæ: ut quoquot ex hac altaris partecipatione sacrosanctum Filii tui Corpus, et Sanguinem sumpserimus, omni benedictione cælesti et gratia repleamur. [Per eumdem Christum Dominum nostrum. Amen.]") - ("Suplicantes vos rogamos, ó Deus onipotente, que, pelas mãos de vosso santo Anjo, mandeis levar estas ofertas ao vosso Altar sublime, à presença de vossa divina Majestade, para que, todos os que, participando deste altar, recebermos o sacrossanto Corpo, e Sangue de vosso Filho, sejamos repletos de toda a bênção celeste e da Graça. [Pelo mesmo Jesus Cristo, Nosso Senhor. Amém.])
Agora se iniciam os dois últimos painéis, sendo o primeiro a oração pelos mortos. E em seguida, a oração pelos ministros:
 
"Memento etiam, Domine, famulorum famularumque tuarum N. et N., qui nos praecesserunt cum signo fidei et dormiunt in somno pacis. Ipsis, Domine, et omnibus in Christo quiescentibus, locum refrigerii, lucis et pacis, ut indulgeas, deprecamur. (Per eumdem Christum Dominum nostrum. Amen.)" - (Lembrai-vos, também, Senhor, de vossos servos e servas (NN. e NN.), que nos precederam, marcados com o sinal da fé, e agora descansam no sono da paz. A estes, Senhor, e a todos os mais que repousam em Jesus Cristo, nós vos pedimos, concedei o lugar do descanso, da luz e da paz. [Pelo mesmo Cristo Senhor nosso. Amen]).
 
"Nobis quoque peccatoribus, famulis tuis, de multitudine miserationum tuarum sperantibus, partem aliquam, et societatem donare digneris, tuis sanctis Apostolis et Martyribus: cum Joanne, Stephano, Matthia, Barnaba, Ignatio, Alexandro, Marcellino, Petro, Felicitate, Perpetua, Agatha, Lucia, Agnete, Cæcilia, Anastasia, et omnibus Sanctis tuis: intra quorum nos consortium non æstimator meriti, sed veniæ, quæsumus, largitor admitte. Per Christum Dominum nostrum." - ("Também a nós, pecadores, vossos servos, que esperamos na vossa infinita misericórdia, dignai-vos conceder um lugar na comunidade de vossos santos Apóstolos e Mártires: João, Estêvão,Matias, Barnabé, Inácio, Alexandre, Marcelino, Pedro, Felicidade, Perpétua, Águeda, Luzia, Inês,Cecília, Anastácia, e com todos os vossos Santos. Unidos a eles pedimos, vos digneis receber-nos, não conforme nossos méritos mas segundo a vossa misericórdia. Por Cristo Nosso Senhor.]").
O que se vê é que existe um paralelo entre os momentos pré e pós consagração, pois se começa intercedendo pelo Papa e pelos Bispos e se encerra pedindo pelos padres. Faz-se a comunhão com os mortos que estão na glória e se recorda os mortos que estão no purgatório. É necessário, pois, entender a lógica da Oração Eucarística I que é bastante diferente daquela adotada nas demais orações alexandrinas.
 
O Cânon Romano destaca ainda a recordação dos santos. Tanto no “communicantes” quanto no momento em que se reza pelos sacerdotes. Nesse segundo momento aparecerem, inclusive, os nomes de algumas mulheres, quebrando a acusação de que a Igreja pretere o sexo feminino.
 
Dando sequência ao Catecismo, em seu número 1356, ele chama a atenção para os três pontos fundamentais do sacrifício sacramental: “ação de graças, memorial e presença”. E diz:
 
Se os cristãos celebram a Eucaristia desde as origens, e sob uma forma que, em sua substância, não sofreu alteração através da grande diversidade dos tempos e das liturgias, é porque temos consciência de estarmos ligados ao mandato do Senhor, dado na véspera de sua paixão: “Fazei isto em memória de mim”. (1356)
 
A liturgia é recebida como uma mandado, conforme sempre ensinou o Cardeal Ratzinger, portanto, não há que se “inventar” nada. Por isso se fala em Tradição.
 
A lógica que o Catecismo segue é a trinitária, em que o Pai centraliza no conceito de ação de graças, o Filho, no conceito de memorial sacrifical e o Espírito Santo em sua presença.
 
A ação de graças pode ser traduzida também em eucaristia. E ela é muito importante para a vida espiritual, pois dar graças ao Pai mostra o nada do homem. Deus criou o homem, mas isso não quer dizer que Ele tenha sido enriquecido com essa criação. Não. Criar o homem e todo o restante em nada acrescenta ao que Ele é. Da mesma forma que se toda a humanidade e o universo inteiro desaparecessem, isso também não O diminuiria em nada, pois Ele é infinito.
 
Assim, o reconhecimento de que o ser humano nada tem a oferecer a Deus a não ser as mãos vazias em total dependência da bondade e infinitude do Criador, leva o homem aos dois passos seguintes: o louvor e a bênção, os quais serão contemplados na próxima aula.