15. Fazei isto em minha memória

15. Fazei isto em minha memória

É impossível ler o relato de São Justino Mártir e não compreender que a estrutura da Santa Missa é a mesma desde o início da Igreja e que, portanto, ela nasceu católica.

 

Antes da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo os sacramentos não existiam, tampouco depois de sua segunda vinda eles continuarão a existir. Os sacramentos são para este tempo, o chamado “tempo da Igreja”. É por isso que logo após a Consagração o povo responde: “Mortem tuam annuntiamus, Domine, et tuam ressurectionem confitemur, donec venias”, que quer dizer, anunciamos, Senhor, a sua morte e proclamamos a vossa ressurreição, enquanto Tu não vens, na versão em latim. Em português houve uma pequena alteração e ficou: vinde, Senhor Jesus.
 
Foi o próprio Cristo quem deixou a ordem: “Fazei isto em memória de mim” (Hoc facite in meam commemorationem). Contudo, o memorial não é simplesmente uma lembrança, mas algo muito mais profundo e existem três palavras que traduzem a ideia: em hebraico, zicaron, em grego, anamnesis, e em latim, commemoratio.
 
Zicaron, quer dizer “recordação”. No entanto, para os judeus, essa recordação tinha um sentido intrínseco, era muito mais simplesmente um lembrar. O modo de orar judeu sempre recorda a Deus os feitos do passado e suplica algo para o futuro. Por exemplo: “Vós que criastes o céu e a terra (passado), concedei-nos agora(presente) a graça de uma nova criação para que possamos vos servir (futuro).
 
O zicaron, portanto, é trazer o passado para o presente, atualizando a história da salvação. Foi exatamente isso que Nosso Senhor Jesus Cristo fez na sinagoga de Nazaré, quando pegou o rolo do Livro do Profeta Isaías e leu: “O Espírito do Senhor está sobre mim.” Esta realidade ocorreu no passado, com o profeta, mas Ele disse: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabastes de ouvir.” (Lc 4, 21). A recordação traz o evento para o presente. No mundo dos sacramentos, especialmente na Eucaristia isso é ainda mais denso, pois, de fato, com a Eucaristia acontece o mesmo sacrifício, não é somente uma recordação, mas uma re-presentação, ou seja, torna presente outra vez o mesmo e único sacrifício.
 
O Catecismo apresenta, na sequência, uma citação importantíssima a respeito da Eucaristia, que é o testemunho de São Justino Mártir “sobre as grandes linhas do desenrolar da Celebração Eucarística que permaneceram as mesmas até nossos dias para todas as grandes famílias litúrgicas.” Foi escrita “pelo ano de 155, para explicar ao imperador pagão Antonino Pio o que os cristãos fazem”. Importante notar que esse escrito é da chamada idade subapostólica, ou seja, existia ainda uma geração poderia ter conhecido os apóstolos, especialmente São João:
 
“No dia ‘do Sol’, como é chamado, reúnem-se em um mesmo lugar todos os habitantes, quer das cidades, quer dos campos. Leem-se, na medida em que o tempo o permite, ora os comentários dos apóstolos, ora os escritos dos Profetas.
 
Depois, quando o leitor terminou, o que preside toma a palavra para aconselhar e exortar à imitação de tão sublimes ensinamentos.
 
A seguir, pomo-nos todos de pé e elevamos nossas preces por nós mesmos (...) e por todos os outros, onde quer que estejam, a fim de sermos de fato justos por nossa vida e por nossas ações, e fiéis aos mandamentos, para assim obtermos a salvação eterna.
 
Quando as orações terminaram, saudamo-nos uns aos outros com um ósculo. Em seguida, leva-se àquele que preside aos irmãos pão e um cálice de água e de vinho misturados.
 
Ele os toma e faz subir louvor e glória ao Pai do universo, no nome do Filho e do Espírito Santo e rende graças (em grego, eucharístia, que significa ‘ação de graças’ longamente pelo fato de termos sido julgados dignos destes dons.
 
Terminadas as orações e as ações de graças, todo o povo presente prorrompe numa aclamação dizendo: Amém.
 
Depois de o presidente ter feito a ação de graças e o povo ter respondido, os que entre nós se chamam diáconos distribuem a todos os que estão presentes pão, vinho e água ‘eucaristizados’ e levam (também) aos ausentes.” (1345)
No primeiro parágrafo o autor afirma que os cristãos se reuniam no domingo e que as leituras são do Antigo e do Novo Testamento. Isso remete à Liturgia da Palavra. No segundo, trata-se da homilia. No terceiro, das Preces dos Fiéis. No quarto, do Abraço da Paz e do Ofertório. No quinto e sexto, a Oração Eucaristia que é finalizada com o “Amém”, após a doxologia. No sétimo, a distribuição da Comunhão. Ora, o que se vê realmente é que a estrutura da Santa Missa atual é a mesma que se fazia há dois mil anos.
 
A Liturgia da Palavra, antes da reforma, era chamada muito adequadamente de Missa dos Catecúmenos por seu caráter missionário. Uma vez essa parte era encerrada, os catecúmenos saíam da Igreja e aí sim se celebrava a Missa dos Fiéis.
 
Em seguida, o Catecismo traz um comentário mais extenso da sequência da Santa Missa, começando por “Todos se reúnem.”. Interessante notar que a palavra assembleia, em grego, é Εκκλησία (ekklesia), ou seja, “igreja”. Isso denota que foi a assembleia eucarística, o povo que se reúne para celebrar a eucaristia, que deu nome à Igreja.
 
São João Paulo II escreveu justamente a encíclica “Ecclesia de Eucaristia”, em que afirma de forma inequívoca que a Igreja vive da Eucaristia, pois a Igreja faz a Eucaristia e a Eucaristia faz a Igreja e, na verdade, a assembleia eucarística e a Igreja são estruturalmente a mesma realidade, ou seja, a Igreja é a "plebis Dei adunata", o povo de Deus reunido para a celebração da Eucaristia.
 
Embora atualmente exista uma certa confusão de papéis dentro da celebração, motivada pela tendência de protestantizar as funções, em que todos podem fazer tudo, a igreja é orgânica e cada membro ocupa o seu posto. Assim ensina o Catecismo: “Todos têm sua parte ativa na celebração, cada um a seu modo: os leitores, os que trazem as oferendas, os que dão a comunhão e todo o povo, cujo Amém manifesta a participação.” (1348)
 
A seguir, a Liturgia da Palavra e a Apresentação das Oferendas, que já foram comentadas. O número 1351 do Catecismo cita a questão da coleta. A Eucaristia é também voltada para o exercício da caridade. Assim, aqueles que têm mais devem dar para aqueles que têm menos. A partilha dos bens é muito importante, mas não deve ser excessivamente explorada, como se faz na Teologia da Libertação, que chega ao ponto de querer reduzir a Eucaristia numa partilha do pão.
 
Todavia, o fato deles abusarem dessa realidade não pode servir de motivo para o esquecimento de que há realmente uma partilha dos bens. O próprio São Paulo em sua carta aos Coríntios recorda essa realidade e chega, inclusive, a repreender os ricos que não queriam repartir os alimentos. Ele disse:
 
Já que estou dando recomendações, não vos posso louvar por vossas reuniões, pois elas têm sido, não para o vosso maior bem, mas antes para o vosso dano. (...) De fato, quando vos reunis, não é para comer a Ceia do Senhor, pois cada um se apressa a comer a sua própria ceia e, enquanto um passa fome, outro se embriaga. Não tendes casa para comer e beber? Ou desprezais a Igreja de Deus e quereis envergonhar aqueles que nada têm? Que vos direis? Acaso vos louvareis? Não, neste ponto não posso louvar-vos. (I Cor 11, 17-22)
Assim, diz o Catecismo, “desde os inícios, os cristãos levam, com o pão e o vinho para a Eucaristia, seus dons para repartir com os que estão em necessidade.” Tal costume, “sempre atual, inspira-se no exemplo de Cristo que se fez pobre para nos enriquecer.” Isso não significa, porém, que seja um projeto marxista de sociedade sem classes, igualitária.
 
A anáfora é a oração eucarística. No rito romano, possui algumas características especiais: o prefácio que é uma grande ação de graças. Era a única parte audível no missal antigo. Existem relatos do segundo século que noticiam o seu diálogo. Todos os prefácios de todas as famílias litúrgicas, no momento mais solene, de preparação para a Consagração, faz-se menção aos anjos. Diz o Catecismo que “toda a comunidade junta-se então a este louvor incessante que a Igreja celeste, os anjos e todos os santos cantam ao Deus três vezes santo.” (1352)
 
A epliclese é a súplica da vinda do Espírito Santo sobre as oferendas. Nas orações eucarísticas recentes, ela precede o relato da instituição. Já nas orações bizantinas, alexandrinas, ela vem depois.
 
Na anamnese, ensina o Catecismo, “a Igreja faz memória da Paixão, da Ressurreição e da volta gloriosa de Cristo Jesus; ela apresenta ao Pai a oferenda de seu Filho que nos reconcilia com ele.” (1354) E termina a explicação das anáforas com as intercessões. Em seguida, a comunhão.
 
Nota-se que a explicação apresentada pelo Catecismo refere-se à estrutura da Santa Missa atual. Na próxima aula, será contemplado o chamado Cânon Romano.