14. A polêmica do ofertório no Missal de Paulo VI

14. A polêmica do ofertório no Missal de Paulo VI

Por que os liturgistas encarregados do Missal de Paulo VI entenderam que era preciso mudar o Ofertório? Qual a justificativa para a mudança? Quais são os argumentos contrários e qual a solução para o problema?

 

O Catecismo continua falando sobre o Sacramento da Eucaristia e no número 1333 faz referência ao Ofertório da Santa Missa, dizendo: “Assim, no ofertório damos graças ao Criador pelo pão e pelo vinho, fruto do trabalho do homem, mas antes fruto da terra e da videira, dons do Criador.” A menção propicia a ocasião para refletir sobre uma polêmica existente em relação ao Missal de Paulo VI. Entre tantos problemas, a questão do Ofertório é uma das mais latentes.
 
No Missal antigo, o de Pio V, no momento do ofertório, o sacerdote oferecia o pão e o vinho como um sacrifício, uma oblação, por isso, a linguagem antiga possuía o chamado caráter sacrifical. Ocorre, porém, que os liturgistas incumbidos de fazer o Missal de Paulo VI entenderam que isso era inadequado, não porque a Missa não seja de fato um sacrifício, mas porque o sacrifício propriamente dito é oferecido na oração eucarística, portanto, não fazia sentido o oferecimento do sacrifício, antes dele ocorrer realmente.
 
As orações eucarísticas do Missal de Paulo VI - que não existiam antes - todas elas apresentam o oferecimento do sacrifício depois da consagração. Vejamos:
 
II: “Celebrando, pois, a memória da morte e ressurreição do vosso Filho, nós vos oferecemos, ó Pai, o pão da vida e o cálice da salvação; e vos agradecemos por que nos tornastes dignos de estar aqui na vossa presença e vos servir.”
 
III - Celebrando agora, ó Pai, a memória do vosso Filho, da sua paixão que nos salva, da sua gloriosa ressurreição e da sua ascensão ao céu, e enquanto esperamos a sua nova vinda, nós vos oferecemos em ação de graças este sacrifício de vida e santidade.
 
Olhai com bondade a oferenda da vossa Igreja, reconhecei o sacrifício que nos reconcilia convosco e concedei que, alimentando-nos com o Corpo e o Sangue do vosso Filho, sejamos repletos do Espírito Santo e nos tornemos em Cristo um só corpo e um só espírito.
 
IV- Celebrando, agora, ó Pai, a memória da nossa redenção, anunciamos a morte de Cristo e sua descida entre os mortos, proclamamos a sua ressurreição e ascensão à vossa direita e, esperando a sua vinda gloriosa, nós vos oferecemos o seu Corpo e Sangue, sacrifício do vosso agrado e salvação do mundo inteiro. Olhai, com bondade, o sacrifício que destes à vossa Igreja e concedei aos que vamos participar do mesmo pão e do mesmo cálice que, reunidos pelo Espírito Santo num só corpo, nos tornemos em Cristo um sacrifício vivo para o louvor da vossa glória.
Deste modo, para se entender o ofertório do Missal de Paulo VI é preciso colocá-lo à luz das orações eucarísticas que foram compostas tendo em vista ele mesmo. Assim, cai por terra a argumentação de que o ofertório em questão é protestante e pretende negar o sacrifício. Na verdade, o que se quis foi seguir uma lógica, uma vez que o sacrifício sendo consumado na consagração, requer que o seu oferecimento seja feito posteriormente.
 
Pois bem, já que não era para se falar em ofertório, era preciso mudar a linguagem e, então, passou-se a usar a expressão “preparação das ofertas”, pois, na verdade, nada se está oferecendo nesse momento, mas sim, se está preparando algo que será oferecido depois na consagração.
 
Ainda nesse momento de preparação foram inseridas duas orações - uma para o pão e outra para o vinho - que, na verdade, são uma “berakah” judaica, ou seja, um estilo de oração que inspirou também a oração cristã:
 
Bendito sejais, Senhor Deus do universo, pelo pão que recebemos de vossa bondade, fruto da terra e do trabalho humano, que agora vos apresentamos e para nós se vai tornar Pão da vida.
 
R: Bendito seja Deus para sempre.
 
Bendito sejais, Senhor Deus do universo, pelo vinho que recebemos de vossa bondade, fruto da videira e do trabalho humano, que agora vos apresentamos e para nós se vai tornar Vinho da salvação.
 
R: Bendito seja Deus para sempre.
Os judeus iniciam inúmeras orações utilizando a mesma fórmula: “Baruch atá Adonai Eloheinu melech haolam” quer dizer: “Bendito sejais o Senhor nosso Deus, Rei do Universo.” Trata-se de uma oração de agradecimento, de bendição pelo pão e pelo vinho que são apresentados como “fruto da terra”, portanto, dons do Deus Criador, mas também “do trabalho humano”, e é muito importante que se recorde isso. Os símbolos pão e vinho escolhidos por Nosso Senhor Jesus Cristo existem na natureza por uma intervenção do trabalho humano. Deus opera e o homem coopera. Esse é o “espírito” do Missal de Paulo VI.
 
O argumento contrário apresentado por aqueles mais sensíveis à tradição e que querem valorizá-la é que em todos os ritos, não somente o romano, das liturgias católicas têm um ofertório que fala de oferecimento de sacrifício. Ora, se era essa a forma de se rezar durante milênios não há motivo para mudar.
 
Um outro argumento usado pelos tradicionalistas é de que vivemos numa época de protestantismo, em que a visão sacrifical é contestada não só pelos protestantes, mas também dentro da própria Igreja católica, o que é totalmente herético. Portanto, nada melhor do que enfatizar esse aspecto.
 
Os protestantes fizeram suas reformas litúrgicas, de modo especial, a reforma anglicana realizada na Inglaterra por Tomás Cranmer, não aceitava de maneira alguma o ofertório e o cânon romano. Os liturgistas da comissão formada por Paulo VI para a elaboração do novo Missal, retiraram justamente o ofertório e o cânon romano, o qual só entrou por uma interferência direta do Papa, quase no último minuto.
 
Criou-se, então, uma grande dificuldade, pois existe o cânon romano, mas não o ofertório que foi pensado para ele. A sugestão seria dar alguns passos na direção da tradição reformando o Missal de Paulo VI, inserindo novamente o ofertório antigo que deve vir acompanhado de uma observação de que deveria ser usado especialmente quando se utiliza o cânon romano ou oração eucarística I. Assim, as duas possibilidades seriam contempladas.
 
Por fim, seria muito propício que tais jóias do catolicismo - o ofertório antigo e o cânon romano - fossem valorizados e até mesmo preferidos aos outros, pelo simples motivo de que é verdade que o mundo passa por uma protestantização, portanto, existe a necessidade premente de uma valorização da tradição.
 
Prosseguindo, então, com o estudo sobre a Eucaristia, o Catecismo apresenta como ela foi instituída. Foi Nosso Senhor Jesus Cristo quem a estabeleceu e isto os católicos não podem negar. O testemunho mais antigo da instituição da Eucaristia se encontra a Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios, um escrito da década de 50 depois de Cristo.
 
Jesus quis a Eucaristia, ao contrário do que querem impor os modernistas, alegando que o que Ele fez foi estabelecer um “serviço”. Usam como argumento o fato de que o Evangelho de São João narra a última ceia, mas não a instituição da Eucaristia, apenas o Lava-pés. Ora, o que fazem eles, então, com todo o capítulo 6 do mesmo Evangelho? Não existe Evangelho mais eucarístico que o de São João.
 
Além disso, o Catecismo traz uma bela explicação citando o Concílio de Trento:
 
Para deixar-lhes uma garantia desse amor, para nunca afastar-se dos seus e para fazê-los participantes de sua Páscoa, [Jesus] instituiu a Eucaristia como memória de sua morte e ressurreição, e ordenou a seus apóstolos que a celebrassem até a sua volta, “constituindo-os então sacerdotes do Novo Testamento”. (1337)
Ora, o que se percebe é que nesse momento também foi instituído o sacerdócio. Isso é muito importante pois existe todo um movimento protestantizante, modernista e marxista dentro da Igreja Católica que pretende negar o sacerdócio, argumentando que o padre é tão somente um servidor do povo.
 
Esse movimento nasce da necessidade de não aceitação que exista um grupo de pessoas na Igreja com um poder. E essa é a intuição básica do protestantismo: todos são iguais, não existe um clero. Os pastores são leigos batizados, que foram contratados para prestar um serviço: pregar, mas não têm um poder. Trata-se de uma agenda protestante colocada em prática. O que é muito interessante para os marxistas da Teologia da Libertação, que pretendem uma sociedade sem classes.
 
Na análise marxista de Igreja proporcionada pelo Sr. Leonardo Boff em seu livro “Igreja, Carisma e Poder”, ele diz que assim como os capitalistas usurparam o proletariado dos meios de produção, também dentro da igreja existe uma classe que é espoliada: os leigos, e uma classe de capitalistas do sagrado: o clero. Então, segundo ele, também os leigos podem interpretar a Palavra de Deus, também os leigos podem celebrar a Eucaristia, também os leigos podem perdoar os pecados e assim por diante. Clericalizar os leigos e laicizar os padres, este é o projeto de igualitarismo. No entanto, isso não é possível pois a fé católica diz exatamente o contrário.