12. O Espírito Santo, intérprete da Escritura

12. O Espírito Santo, intérprete da Escritura
A aula de hoje pretende mostrar quais são os princípios básicos de interpretação das Sagradas Escrituras. O Catecismo da Igreja Católica inicia o tema propondo uma reflexão básica: "Deus fala ao homem à maneira dos homens". Assim, para interpretar de forma correta a Escritura, necessário se faz "estar atento àquilo que os autores humanos quiseram realmente afirmar e àquilo que Deus quis manifestar-nos pelas palavras deles"
 
 
O Espírito Santo, intérprete da Escritura
 
A aula de hoje pretende mostrar quais são os princípios básicos de interpretação das Sagradas Escrituras. O Catecismo da Igreja Católica inicia o tema propondo uma reflexão básica: "Deus fala ao homem à maneira dos homens". Assim, para interpretar de forma correta a Escritura, necessário se faz "estar atento àquilo que os autores humanos quiseram realmente afirmar e àquilo que Deus quis manifestar-nos pelas palavras deles". (109)
 
Assim, tudo que envolve o conhecimento ciêntifico sadio, ou seja, um princípio hermenêutico de um método de análise histórico-crítica de um documento ou de um texto pode ser utilizado para interpretar a Bíblia. Mas só isso não basta. Como as Sagradas Escrituras são inspiradas pelo Espírito Santo, isto também deve ser levado em conta com muita seriedade. O Catecismo diz a esse respeito:
 
"Para descobrir a intenção dos autores sagrados, há que levar em conta as condições da época e da cultura deles, os gêneros literários em uso naquele tempo, os modos, então correntes, de sentir, falar e narrar. Pois a verdade é apresentada e expressa de maneiras diferentes nos textos que são vários modos históricos ou proféticos ou poéticos, ou nos demais gêneros de expressão.
 
Mas, já que a Sagrada Escritura é inspirada, há outro princípio da interpretação correta, não menos importante que o anterior, e sem o qual a Escritura permaneceria letra morta: 'a Sagrada Escritura deve também ser lida e interpretada com a ajuda daquele mesmo Espírito em que foi escrita.'" (110,111)
A tradição interpretativa da Igreja sempre considerou que os sentidos espirituais da Bíblia (alegórico, anagógico, moral etc) têm seu fundamento no sentido básico, que é o sentido literal. Assim, antes de dar o passo para o sentido espiritual é preciso entender o que literalmente está sendo dito. O Papa Bento XVI, na exortação apostólica pós-sinodal Verbum Domini, em seu número 32 diz que:
 
"Em primeiro lugar, é preciso reconhecer os benefícios que a exegese histórico-crítica e os outros métodos de análise do texto, desenvolvidos em tempos mais recentes, trouxeram para a vida da Igreja. Segundo a visão católica da Sagrada Escritura, a atenção a estes métodos é imprescindível e está ligada ao realismo da encarnação: 'Esta necessidade é a consequência do princípio cristão formulado no Evangelho de João 1,14: Verbum caro factum est. O fato histórico é uma dimensão constitutiva da fé cristã. A história da salvação não é uma mitologia, mas uma verdadeira história e, por isso, deve-se estudar com os métodos de uma investigação histórica séria. Por isso, o estudo da Bíblia exige o conhecimento e o uso apropriado desses métodos de pesquisa. Se é verdade que esta sensibilidade no âmbito dos estudos se desenvolveu mais intensamente na época moderna, embora não de igual modo por toda a parte, todavia na sã tradição eclesial sempre houve amor pelo estudo da 'letra'. Basta recordar aqui a cultura monástica, à qual em última análise devemos o fundamento da cultura europeia: na sua raiz, está o interesse pela palavra. O desejo de Deus inclui o amor pela palavra em todas as suas dimensões: 'Visto que, na Palavra bíblica, Deus caminha para nós e nós para Ele, é preciso aprender a penetrar no segredo da língua, compreendê-la na sua estrutura e no seu modo de se exprimir. Assim, devido precisamente à procura de Deus, tornam-se importantes as ciências profanas que nos indicam as vias rumo à língua." (VD 32)
 
"Os Padres sinodais afirmaram, justamente, que o fruto positivo produzido pelo uso da investigação histórico-crítica moderna é inegável. Mas, enquanto a exegese acadêmica atual, mesmo católica, trabalha a alto nível no que se refere à metodologia histórico-crítica, incluindo as suas mais recentes integrações, é forçoso exigir um estudo análogo da dimensão teológica dos textos bíblicos, para que progrida o aprofundamento segundo os três elementos indicados pela Constituição dogmática Dei Verbum." (34)
Assim, não é possível ater-se à investigação histórico-crítica moderna, pois, corre-se o risco de cair numa hermenêutica secularizada. O ideal é o equilíbrio. Lembrando-se sempre que o mais importante é a verdade teológica por trás da verdade histórica. A Verbum Domini continua ensinando:
 
"A este propósito, é preciso sublinhar hoje o grave risco de um dualismo que se gera ao abordar as Sagradas Escrituras. De fato, distinguindo os dois níveis da abordagem bíblica, não se pretende de modo algum separá-los, contrapô-los, ou simplesmente justapô-los. Só funcionam em reciprocidade. Infelizmente, não raro uma infrutífera separação dos mesmos leva a exegese e a tecnologia a comportarem-se como estranhas; e isto acontece mesmo aos níveis acadêmicos mais altos. Desejo aqui lembrar as consequências mais preocupantes que se devem evitar.
 
a) antes de mais nada, se a atividade exegética se reduz só ao primeiro nível, consequentemente a própria Escritura torna-se um texto só do passado: 'daí podem-se tirar consequências morais, pode-se aprender a história, mas o Livro como tal fala só do passado e a exegese já não é realmente teológica, mas torna-se pura historiografia, história da literatura.' É claro que, numa tal redução, não é possível de modo algum compreender o acontecimento da revelação de Deus através da sua Palavra que nos é transmitida na Tradição viva e na Escritura.
 
b) A falta de uma hermenêutica da fé na abordagem da Escritura não se apresenta apenas em termos de uma ausência; o seu lugar acaba inevitavelmente ocupado por outra hermenêutica, uma hermenêutica secularizada, positivista, cuja chave fundamente é a convicção de que o Divino não aparece na história humana. Segundo esta hermenêutica, quando parecer que há um elemento divino, isso deve-se aplicar de outro modo, reduzindo tudo ao elemento humano. Consequentemente, propõem-se interpretações que negam a historicidade dos elementos divinos.
 
c) Uma tal posição não pode deixar de danificar a vida da Igreja, fazendo surgir dúvidas sobre mistérios fundamentais do cristianismo e sobre o seu valor histórico, como, por exemplo, a instituição da Eucaristia e a ressurreição de Cristo, De fato, assim impõe-se uma hermenêutica filosófica, que nega a possibilidade de ingresso e presença do Divino na história. A assunção de tal hermêutica no âmbito dos estudos teológicos introduz, inevitavelmente, um gravoso dualismo entre a exegese, que se situa unicamente no primeiro nível, e a teologia que leva uma espiritualização do sentido das Escrituras não respeitadora do caráter histórico da revelação." (35)
Os três critérios para a interpretação da Escritura são: 1. prestar muita atenção ao conteúdo e à unidade da Escritura inteira; 2. ler a Escritura dentro da Tradição viva da Igreja inteira; 3. estar atento à analogia da fé. Assim, é preciso ler a Escritura como um "todo" e não separando-a em partes e classificando-a em 'teologias' diferentes sem unidade. E a leitura deve ser feita de acordo com a leitura que a Igreja sempre fez. Isto é, ler de acordo com o Espírito que a inspirou. Por fim, entendendo que as verdades de fé têm um nexo, uma relação entre elas, de modo que uma ilumina a outra.
 
Na próxima aula será aprofundado o tema do sentido espiritual da Escritura.
 

Referências Bibliográficas

  1. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Verbum Domini do Santo Padre Bento XVI sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja.https://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/apost_exhortations/documents/hf_ben-xvi_exh_20100930_verbum-domini_po.html

Fonte:padrepauloricardo