11. Ordens mendicantes

11. Ordens mendicantes

O que o Cântico das Criaturas, a Suma Teológica e os sermões de Santo Antônio têm em comum? Conheça a história das Ordens mendicantes e descubra como a Europa foi restaurada pela pregação incansável de São Domingos de Gusmão e pela pobreza exemplar de São Francisco de Assis. Quem foram, afinal, esses dois grandes santos da Idade Média?

 

Deus conduz a Sua Igreja ao longo da história, suscitando, nos tempos e lugares propícios, homens santos, que a façam "ressuscitar" da miséria e da morte.
As Ordens mendicantes – entre as quais se destacam os dominicanos e os franciscanos – surgiram em um período particularmente conturbado para a Igreja. No início do século XIII, após o sucesso de Cluny, embora os religiosos tivessem professado o voto de pobreza, as Ordens monásticas experimentaram um relativo enriquecimento, ao mesmo tempo em que bispos e padres diocesanos viviam na opulência.
 
Em oposição a este modo de vida nada exemplar do clero, surgiram os cátaros e os albigenses. As duas heresias tinham como ponto comum a condenação não só das riquezas, como de qualquer realidade material – desde possuir propriedades até alimentar-se ou casar-se –, a ponto de seus adeptos olharem para a Criação a partir de dois princípios: um bom – que originou o mundo espiritual – e um ruim – que deu origem ao mundo material. Os albigenses, por exemplo, não acreditavam nos Sacramentos, pois não podiam conceber que um sinal visível pudesse portar eficazmente uma graça invisível e espiritual.
 
À época, a Igreja não parecia preparada para lidar com a expansão das duas heresias. Enquanto os sacerdotes diocesanos não levavam vida exemplar, os monges permaneciam encerrados em seus mosteiros, em uma estrutura praticamente rígida e sem flexibilidade alguma. É com São Domingos de Gusmão († 1221) e São Francisco de Assis († 1230), fundadores da Ordem dos Pregadores e da Ordem dos Frades Menores, respectivamente, que os religiosos poderão deslocar-se de cidades em cidades, atravessando fronteiras para ensinar e pregar a fé católica. Santo Tomás de Aquino († 1274), por exemplo, passou por Nápoles, Roma, Orvieto, Paris e Colônia; Santo Antônio de Pádua († 1231), por sua vez, tendo nascido em Portugal, girou todo o norte da Itália, França e Alemanha, pregando contra os hereges. É essa mobilidade que vai se opor à expansão dos cátaros e albigenses, no período da Baixa Idade Média.
 
Domingos de Gusmão era padre diocesano e cônego em sua diocese. Em viagens ao sul da França, ele atende ao pedido do Papa e começa um novo estilo de vida apostólica. Passa a dedicar-se, junto com um pequeno grupo, ao estudo e à contemplação da Verdade, pregando o que contemplava às pessoas, a fim de tirá-las do erro e da heresia. Para esses pregadores, porém, não bastava o conhecimento. Era preciso ser santo, ter uma vida mística. Afinal, "o homem contemporâneo", assim como o homem daquela época, "escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, (...) ou então se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas [1].
 
Pregando a pobreza e enfrentando com sabedoria as heresias de seu tempo, os dominicanos ficaram conhecidos pelo lema: "Contemplata aliis tradere – Dar aos outros o que foi contemplado", retirado da obra de Santo Tomás de Aquino [2]. Também foram muito importantes no desenvolvimento da Inquisição, que, à parte os preconceitos de muitos, foi uma instituição cercada por santos extraordinários.
 
Quanto a Francisco de Assis, importa, antes de qualquer coisa, "exorcizar" a visão revolucionária e marxista que o mundo moderno criou a respeito dele, principalmente a partir do século XIX.
 
Francisco não era ecologista. Em seu amor pela Criação, o santo de Assis combateu com eficácia a heresia cátara, que dizia ser ruim o mundo material. Ao chamar as criaturas de "irmãs", apontava para a existência do grande pai, que é Deus, associando a bondade existente no mundo material à bondade divina. Francisco não era, pois, um panteísta idólatra ou algo parecido. Tinha fé católica e conhecia muito bem a distinção entre o Criador e as Suas criaturas.
 
Francisco não era pacifista. Em seu famoso Cântico das Criaturas, o santo lamenta a sorte "dos que morrerem em pecados mortais" e bendiz "os que ela [a Morte] achar conformes à vossa santíssima vontade, porque a morte segunda não lhes fará mal" [3]. Ao pregar a paz, Francisco queria reconduzir os homens a Deus, empresa que só se podia concluir, após o pecado, por meio de um verdadeiro combate. Tendo bem claras diante de si as realidades sobrenaturais, ele também ordenava que fossem dadas punições espirituais e até físicas aos frades de sua Ordem. Contemporâneo das Cruzadas, o frade de Assis não só não as condenou, como participou da Quinta Cruzada, em uma tentativa de converter à fé cristã o sultão Al-Kamil, sobrinho de Saladino.
 
Francisco não era pauperista. Ainda que tenha feito da virtude da pobreza a sua esposa e esta possa com razão ser denominada a principal característica do santo de Assis, o que ele pregava não tinha absolutamente nada a ver com o igualitarismo desejado pelo marxismo.
 
Francisco não era rebelde. Mesmo não querendo muito a institucionalização de sua Ordem, São Francisco não era um herético errante que vivera sua própria experiência com Cristo longe do seio da Igreja. Ao contrário, o santo vivia em profunda comunhão com os Papas da época, inteiramente submisso à hierarquia eclesiástica.
 
Francisco não era como o jovenzinho hippie do filme Brother Sun, Sister Moon ["Irmão Sol, Irmã Lua"] (Franco Zeffirelli, 1972). Profundamente configurado a Cristo na Cruz, quando escreveu o seu Cântico das Criaturas, Francisco de Assis já se encontrava com chagas dolorosas por todo o corpo, sofria terrivelmente de artroses, tinha os olhos cauterizados por conta de uma infecção e, além disso, só se movia se fosse carregado, posto que não conseguia mais caminhar. Foi neste estado de sofrimento e penitência que o Pai Seráfico cantou ao seu Criador, unido totalmente a Cristo "obediente até a morte, e morte de Cruz" (Fl 2, 8).
 
Dominicanos e franciscanos, os filhos desses dois gigantes espirituais, foram os principais a ocuparem espaço nas primeiras universidades, tornando-se os grandes mestres da Escolástica e doutores da fé católica. "A fructibus eorum cognoscetis eos – Pelos seus frutos os conhecereis" (Mt 7, 16). Da vida mística e contemplativa de Domingos e Francisco saiu não um bando de hippies maconheiros e revolucionários, mas uma legião de homens profundamente religiosos, que, inconformados com o pecado e com a mentalidade mundana, devolveram vitalidade à Igreja e deram um novo e forte impulso à evangelização de toda a Europa.
 
Recomendação
 
  1. San Francesco antimoderno: Difesa del Serafico dalle falsificazioni progressiste, Guido Vignelli
 
Referências
 
  1. Papa Paulo VI, Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, 8 de dezembro de 1975, n. 41
  2. Cf. Suma Teológica, II-II, q. 188, a. 6: "Sicut enim maius est illuminare quam lucere solum, ita maius est contemplata aliis tradere quam solum contemplari – De fato, assim como é maior iluminar do que simplesmente brilhar, maior é dar aos outros o que foi contemplado do que simplesmente contemplar".
  3. Canticum Fratris Solis vel Laudes Creaturarum, 13