Papas do Séc X (Parte II) – Marionetes dos Teofilacto

20/08/2014 11:23

E então meu Povo!

Voltamos para continuar o relato dos difíceis tempos no século X para a nossa Santa Igreja. Os papas que apresentamos a seguir não são exatamente vilões, mas deixaram muito a dever por terem servido como marionetes para os sórdidos membros da poderosa família Teofilacto.

Para quem não está acompanhando, já escrevemos um post (Parte I) sobre esse século maledetto, em que o trono de São Pedro foi ocupado pelos piores papas da história.  Teve julgamento de cadáver e tórridos episódios com uma lolita que faria Nelson Rodrigues corar de vergonha!  Leia agora, clicando aqui.

Se você já leu o post anterior, continue se surpreendendo.  Você ainda não viu nada!

O Saeculum Obscurum segue agora apresentando…

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O cônsul Teofilacto I e o Papa Anastácio III

Anastácio III - Os Teofilacto encontraram aqui o seu auge.  O Papa Anastácio III foi um boneco nas mãos do líder desta família, Teofilacto I, que era cônsul, senador e chefe financeiro da Santa Sé; era também esposo de Teodora a prosti… err, a Grande, e pai da amada do Papa Sérgio III, Marózia.

Não resta um único documento sobre a eleição de Anastácio III e, sobre o seu papado, há apenas uma bula que concede o pálio ao bispo de Vercelli. Os indícios desse papa, se não o colocam no patamar de Sérgio III, dão a entender que ele era conivente e banana.  Enrolou-se nas próprias pernas ao pedir auxílio ao nobres francos, tão safados quanto os Teofilacto. Depois de dois anos, foi envenenado pelo pessoal do Rei Berengário, que já devia ter fundado a essa altura um escritório especializado em envenenamento de papas.  Papa de 911 e 913.

Lando - Provavelmente foi outro “bonecão do posto” dos poderosos da família Teofilacto. Digo provavelmente porque absolutamente nada sobrou de registros de seu papado.  Só restou mesmo um registro de doação, em memória de seu pai, à catedral de sua terra natal, Sabina.  Papado curto, apenas 6 meses, de junho de 913 a janeiro de 914.

João X – Seu nome de batismo era Giovanni Cenci.  Antes de ser eleito, foi arcebispo de Ravena e bispo de Bologna.  O problema: foi colocado na cátedra de Pedro por maquinações dos Teofilactos.

papa_joao_xJoão X não era um dos canalhas, com certeza, mas andava com os canalhas e era um tanto quanto conivente.  Seu nome no arcebispado de Ravena era lenda: ele vinha defendendo com êxito a cidade dos constantes ataques do sarracenos que, a essa altura, dominavam o sul da península.  Acho que se o Papa João X não mantivesse uma “amizade” com ramei#@*a da Marózia, o Cardeal Baronius (historiador) o teria em melhor conta.  Talvez não fossem os anos culposos do Saeculum Obscurum, João X estivesse mais bem “parado” e seu papel na história fosse uma página mais luminosa.

Houve alguns avanços, é verdade, em seu papado.  Foi João X que iniciou o processo de chutamento dos sarracenos da Península Itálica, ao organizar uma coalização de príncipes italianos, e também conseguiu o apoio do Imperador Constantino IV para a defesa naval contra a marujada de turbante.  O Papa em pessoa participou do cerco em 915, que derrotou os sarracenos.  Um mês depois, coroou Berengário como imperador, e este promoteu defender a Cidade Eterna.

Sua obra eclesiástica consiste em: aprovar a regra monástica da abadia de Cluny; incentivar a conversão dos normandos (vikings aboiolados); resolver de maneira justa disputas de sucessão episcopal e em tentar – sem sucesso – trazer de volta a Croácia e a Dalmácia ao rito latino, uma vez que esses países insistiam em utilizar o vernáculo eslavo nas celebrações. Em 923, João X também conseguiu reverter umas das muitas “M” que Sérgio III fizera: retomou a comunhão com a Igreja Oriental e ainda reformou o Palácio de Latrão (parece que esses papas adoram fazer isso).

Apesar de não ser, pelos padrões do Saeculum Obscurum, um papa “perda total”, João X cometeu algumas esquisitices; uma das piores foi colocar um moleque de cinco anos como arcebispo de Reims. Com isso, ele realizou um capricho do pai do menino, o conde Heriberto, que então concordolu em libertar o Rei Carlos, o Simples.

Naqueles tempos bicudos, de papados curtos, o seu foi excepcionalmente longo.  Poderia ter sido mais: ao que parece, João recuperou sua dignidade ao fim da vida, ou uma maior parte dela, pois estava se afastando das intrigas e principalmente dos Teofilactos.  Claro que, pra variar, o DEP – Departamento de Envenenamento de Papas -, que estava ocioso a alguns anos, seria posto pra funcionar novamente.

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Marózia Teofilacto: sedutora e perversa, levou diversos Papas ao túmulo

Pelas suas últimas atitudes, João X estava seguindo um caminho independente, independente demais para os Teofilacto.  Esses conseguiram dar um fim no Imperador Berengário, o esteio do Papa, em 924.  Restava o próprio papa.

João X firmou um pacto com Hugo de Provença, que não era exatamente da turma dos “capos” Teofilactos.  Marózia “Corleone” Teofilacto ficou alarmada (essa gente não admitia ceder um mínimo que fosse de seu poder); ela e seu marido Guido – o corno -, marquês da Toscana, armaram um revolta palaciana contra João X e seu irmão e conselheiro Pedro.  Para mostrar o seu poder e sua maldade, Marózia fez com que matassem Pedro dentro do Palácio de Latrão, diante dos olhos do Papa (suspeita-se que João quisesse fazer de Pedro seu sucessor).  Não acaba por aí.

Seis meses após esse acontecimento, sobrou para o próprio João X.  Sua ex-miguxa Marózia vez com que ele fosse encarcerado em Castel Sant’Angelo.  Como João se mostrou durão e resistente aos maus tratos do cárcere, Marózia perdeu a paciência e mandou estrangulá-lo.  Papa de 914 a 928.

Leão VI – Marózia fez e aconteceu durante o curto papado de Leão VI, o qual, descaradamente, foi colocado como papa para esquentar lugar para um dos Teofilacto pela vovózona Teodózia I.

Traço histórico importante? Nenhum!  Sua eleição e consagração foram um escândalo, já que João X ainda estava vivo na prisão.  Isso leva a um problema: se a deposição de João X foi ilegal, Leão VI não poderia constar da lista oficial dos papas.  Pior ainda, Leão VI morreu quando João X ainda estava vivo!

O que se sabe de seu passado nos diz que levou vida modesta e santa, e era já um senhor de idade quando foi eleito.  Cremos que era realmente um homem honesto, uma vez que foi Marózia - sempre ela – que mandou assassiná-lo.  Papa por sete meses em 928.

Estevão VII – Mais um papa-tampão, eleito por influência de Marózia para assegurar o trono de Pedro para seu filho. Há poucos registros desse período e dos atos de Estevão VII, que se resumem a atos burocráticos. Sustenta-se a tese que tenha sido assassinado (sejamos sinceros, isso além de ser descarado já estava ficando muito chato). Papa de 928 a 931.

João XI – É só o olhar o shape de João XI.  Oficialmente, era filho de Marózia e Alberico I de Spoleto.  Mas todo mundo sabia em Roma que essa criatura era filho do Papa Sérgio III (cara de um, focinho do outro).  Foi eleito graças à mamãe e é um orgulhoso representante da tradição de seu real “papitcho”.  Tinha pouco mais de 20 anos completos quando foi eleito.  Papa garotão.

Um dos seus primeiros atos foi confirmar a abadia reformista de Cluny como protetorado da Santa Sé e determinar que esta poderia eleger livremente seus abades.  Isso não foi um ato negativo, claro, mas também parou por aí.

Sua mamãezinha estava no auge de suas maquinações.  Para garantir e aumentar o seu poder, Marózia casou-se com Hugo de Provença, Rei da Itália, que era viúvo de sua irmã.  Roma mergulhou definitivamente na tirania.  Imagine um mundo em que Sauron (da Trilogia O Senhor dos Anéis) levasse a melhor.  Era mais ou menos isso que tínhamos.

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Papa João XI celebrando o casamento de sua mãe, Marózia.

O desrespeito chegou a um nível tal que o casamento de Hugo e Marózia foi celebrado pelo pimpolho dela, o Papa!

Rolou ainda um barraco de família que, como resultado toda a cidade pagou o pato.  Hugo, bebaço, falou umas besteiras para Alberico II, filho do primeiro casamento de Marózia.  Com o apoio da cidadesca, que não via Hugo com bons olhos, Alberico teve o motivo que queria para armar um levante: em dezembro de 932, invadiu Castel Sant’Angelo e, enquanto Hugo fugia de cuecas, jogou sua mamis no xadrez.  Inebriado de poder, invadiu Roma, se auto-intitulou senador, conde, patrício, rei da cocada preta, assobiador e chupador de cana, fã nº 1 do Roberto Carlos e qualquer outro título que lhe viesse à mente.

Temos, a partir de então, um dos episódios mais vergonhosos da história do papado.  João XI virou escravo particular de seu irmão Alberico II, situação que permaneceu até o fim da vida do papa, que veio a falecer com 30 anos de idade.  Papa de 931 a 936.

Leão VII – O primeiro dos bonecos de Alberico II Teofilacto (depois do próprio irmão, João XI, é claro).

Marózia desapareceu da história depois de ser encarcerada – provavelmente seu próprio filho, Alberico II, providenciou seu fim -, mas aqui me dou o direito de fazer especulação histórica (muita coisa em história é de fato especulação, mas muito historiador desonesto não tem a decência de avisar isso a seus leitores, que acabam tomando a especulação como verdade e investigação científica).

Leão VII cuidou tão somente de questões eclesiásticas. Na Alemanha, o arcebispo de Mainz queria batizar judeus na marra.  Leão VII interferiu na questão e proibiu esse disparate. Tendo em vista que a permanência dos judeus não batizados em Meinz era um risco para vida deles próprios, o papa autorizou a sua expulsão.  Historiadores protestantes mal intencionados acusam o Leão VII de antissemitismo.  Como assim?  Perderam a noção?

Monge beneditino, incentivou o monaquismo e defendeu a reforma empreendida pela abadia de Cluny,  tanto que entregou a Odo, o abade, a reforma de várias casas religiosas.  Faleceu de causas desconhecidas (?). Papa de 936 a 939.

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A seguir, postaremos o terceiro dos quatro episódios do século X.  Preparem-se para conhecer as trevas mais densas do Saeculum Obscurum.

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