Quem realmente era Martinho Lutero?

Quem realmente era Martinho Lutero?

 

 

Quem era Lutero?

Lutero era seguidor de Guilherme de Ockham e, assim, rejeitava a teologia de Santo Tomás e a filosofia de Aristóteles, em consonância com o pensamento ockhamista. E, ao rejeitar totalmente a possibilidade de se fazer filosofia, estabelece uma oposição entre esta e a teologia. Para ele, não há esforço filosófico possível para se chegar a Deus. O único caminho é a teologia.

Martinho Lutero

Conforme foi estudado na aula anterior, Guilherme de Ockham radicalizou a teologia de Duns Escoto, afirmando que não existe analogia possível entre o mundo racional e o divino, ou seja, o único caminho para se conhecer Deus é por meio da Revelação.

Para Ockham, Deus exerceria de tal forma a sua própria liberdade que não estaria de modo algum vinculado à razão, mas, tão somente ao seu próprio arbítrio. Esta forma de Teologia terá consequências gravíssimas não só no mundo acadêmico - como pensou Ockham - mas, principalmente, no mundo eclesial, gerando uma verdadeira apostasia em massa que culminou com a revolta luterana. É o que será visto nesta aula.

Alguns pretendem chamar a ação de Martinho Lutero de "reforma", contudo, a palavra adequada parece ser "revolução", uma vez que ao se pensar em reforma, imediatamente vem à mente uma obra que visa melhorar o que já existe. O que Lutero fez foi por abaixo, arrancar pela raiz, o que existia e colocar uma outra coisa, totalmente nova, no lugar. Uma revolução, portanto. Martinho Lutero viveu no século XVI, tendo falecido em 1546. Foi no ano de 1517 que ele pregou as famosas 95 teses na porta do castelo Wittenberg, na Alemanha.

Lutero era seguidor de Guilherme de Ockham e, assim, rejeitava a teologia de Santo Tomás e a filosofia de Aristóteles, em consonância com o pensamento ockhamista. Como Ockham, ao rejeitar totalmente a possibilidade de se fazer filosofia, estabelece uma oposição entre esta e a teologia. Para ele, não há esforço filosófico possível para se chegar a Deus. O único caminho é a teologia.

Martinho Lutero não admite o pensamento tomista de que a fé é uma ação do intelecto, pertence, portanto, à esfera da racionalidade e, também não admite que essa mesma fé necessite da vontade para realizar-se. Para ele o que existe é a fé fiducial, ou seja, a fé como um ato de pura confiança (sem a interferência da inteligência). Por isso, o anti-intelectualismo de Lutero produzirá terríveis consequências.

Em sua vida cotidiana, Martinho Lutero convivia com um constante sentimento de culpa, ora era atormentado por ter ofendido a Deus com seu pecado, ora por envaidecer-se ao praticar uma boa ação. Como não conseguia definir este estado de tormenta, concluiu que a culpa, segundo ele, vinha da sua racionalidade, de seu intelecto. E mais, que o ‘deus’ da razão que o atormentava, o deus racional que surge de um arrazoado filosófico, é um deus torturador, acusador, o Deus retratado no Antigo Testamento.

A solução, então, está em Jesus Cristo que rompe com o Deus vingador e traz a misericórdia, de modo que não importa a gravidade do pecado, a salvação sempre é possível. "Pecar com força e crer com mais força ainda", é seu lema. Isso ocorre porque o Deus da misericórdia não está preso pela racionalidade, Ele responde apenas ao seu arbítrio, o que leva novamente a Guilherme de Ockham.

O conflito interior de Lutero resolveu-se com a negação total da razão. O Deus racional é tido e havido por Lutero como fruto da razão, a qual rotula como "prostituta do diabo", alegando que ela cria um deus falso, um ídolo.

Para o método teológico, a revolução luterana deu-se no ano de 1518, quando acontece a famosa "Disputa de Heidelberg", na qual Lutero apresenta 28 teses para corroborar as outras 95 publicadas no ano anterior. A tese de número 20 diz que: "merece ser chamado de teólogo aquele que compreende que as coisas visíveis e manifestas de Deus são vistas através do sofrimento e da cruz", ou seja, é a teologia da cruz (theologia crucis), segundo a qual somente quando se olha para a Cruz é que se compreende Cristo.

A cruz de Cristo crucifica também a razão humana, da morte vem a vida, de uma injustiça vem a justificação, da perdição mais profunda vem a salvação. Deus é paradoxal e o seu modo de agir é na aparência do contrário (sub contraria specie). A teologia, para Lutero, é algo prático, um exercício de espiritualidade, pois não cabe nos moldes da razão, já que Deus está sujeito somente ao seu próprio arbítrio. O que Lutero apresenta pensando ser o Deus bíblico e, na verdade, o deus de Guilherme de Ockham, pois, é aquele que age independente da racionalidade.

Ao não ser capaz de resolver suas próprias angústias - por causa das contradições racionais - Lutero resolve renunciar à sua racionalidade para dar origem à uma crença voluntarística em que simplesmente ‘acha’ que confia em Deus. Ele se escandaliza com a razão. Na realidade, Lutero transformou a teologia num grande estudo sobre o homem, as dúvidas internas dele fizeram com que a teologia se transformasse numa ciência do homem, mais do que numa ciência de Deus.

O verdadeiro objeto da teologia tanto para ele como para Ockham, é o homem réu de pecado, ou seja, o foco teológico não é mais Deus, mas o homem. Deus é redentor, portanto para o homem (ad hominem). O estudo da verdade, após Lutero, não é mais o estudo da verdade transcendente, mas imanente, na Economia (tudo aquilo que Deus faz para salvar o homem na História). Por causa desse imanentismo, cada vez mais a teologia ocidental escorregará na direção do antropocentrismo.

Lutero e sua teologia da cruz escondem, na verdade, uma inconsistência especulativa, ou seja, ele não conseguiu conciliar o fato de que existe na Bíblia tanto o Deus da justiça quanto o Deus da misericórdia e não são dois, mas UM. É uma realidade que a teologia tenta resolver e conciliar.

Diante da sua incapacidade de conciliar estas duas realidades, ele se sente ainda mais angustiado e passa a rejeitar um dos lados, caindo na heresia (que é justamente rejeitar um dos lados do paradoxo para resolver uma questão teológica, conforme já foi explicado anteriormente).

Com isso, Lutero criou um paradoxo ainda pior porque um deus arbitrariamente misericordioso é sempre um deus arbitrário que não oferece garantias. Ele acabou vivendo até o fim o drama interior especulativo.

Na metodologia teológica de Lutero existe a rejeição à teologia. Mas, não só, ele rejeita também o Magistério da Igreja. A tensão atual existente entre o Magistério e a teologia remonta a Lutero, pois, a partir dele, o teólogo é que se torna parâmetro de interpretação. Para Lutero, a razão filosófica e o Magistério são falíveis e, certamente, estão errados. Quem não erra é o próprio Lutero, que acaba abrindo as portas para um novo tipo de despotismo.

A teologia de Lutero faz com que a cátedra do Magistério se submeta à cátedra do teólogo. É o livre exame das Escrituras que impossibilita a verdadeira teologia cristã.