3. Fé e razão

3. Fé e razão

Existe um equilíbrio bastante grande por parte da Igreja quando se refere à teologia racional, pois, ela não prega o otimismo racionalista e nem o pessimismo fideísta, pelo contrário, encontra o meio-termo entre elas, dizendo que ambas devem caminhar juntas em direção ao Pai.

 

Fé e razão
É possível conhecer a Deus por meio da razão humana? Os protestantes dizem que não. E, igualmente os ateus, cientificistas e afins. A Igreja, porém, afirma que sim!
 
O Concílio Vaticano I que em 24 de abril de 1870 promulgou a Constituição dogmática Dei Filius sobre a fé católica, ensina: 
 
A mesma santa mãe Igreja sustenta e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, a partir das coisas criadas; “pois o invisível dele é divisado, sendo compreendido desde a criação do mundo, por meio dele tudo foi feito”; mas ensina que aprouve à sua misericórdia e bondade revela-se à humanidade a si mesmo e os eternos decretos da sua vontade, por outra via, e esta sobrenatural, conforme diz o Apóstolo: ‘Havendo Deus outrora em muitas ocasiões e de muitos modos falado aos pais pelos profetas, ultimamente, nestes dias, falou-nos pelo Filho. (DH 3004)
A mente humana, portanto, é capaz de conhecer a Deus por meio da criação. Os racionalistas e os fideístas não creem nisso. Foi contra eles que o CVI se manifestou. Os primeiros são aqueles que creem que a razão basta. Os fideístas, ao contrário, creem que somente a fé basta e que a razão não é necessária. A Igreja, por sua vez, crê que fé e razão andam juntas. Mais ainda, crê que uma ilumina a outra.
 
Para os protestantes não é possível conhecer a Deus por meio da criação. O famoso teólogo protestante Karl Barth concluiu em seus estudos que a analogia entis é a razão fundamental pela qual não é possível ser católico. Ele afirmava que quando homem usa a sua racionalidade para conhecer Deus por meio da criação a única coisa que ele é capaz de produzir é um ídolo. Para ele, o único caminho é a analogia fidei, ou seja, a analogia da fé, baseada no fato de que o homem deve ater-se à revelação produzida por Jesus. O Cardeal Ratzinger empenhou-se a vida toda em mostrar que a Igreja não aceita essa oposição entre a fé e a razão, pelo contrário, existe coerência no fato de que ambas conviverem pacificamente. “A fé a razão são como duas asas que nos conduzem no voo em direção a Deus. Se você tem a fé, mas não tem a razão, a fé é cega, mas se tem a razão e não tem a fé, a razão enlouquece”, disse João Paulo II, na Carta Encíclica Fides et Ratio.
 
O pensamento protestante apresenta um erro básico: se é somente por meio da revelação que se chega até Deus, como é que se dá o reconhecimento dessa revelação, uma vez que ela deve obrigatoriamente passar pela mente, deturpada pelo pecado original e é capaz somente de produzir ídolos? De que adianta Deus se revelar em Jesus Cristo de forma extraordinária se não existe uma racionalidade capaz de acolher essa revelação? Portanto, a fé necessita da razão. Por outro lado, é necessário também que a fé esteja ao lado da razão, pois somente a razão enlouquece, pois há de procurar um fundamento para si em si mesma. Impossível. Ainda sobre o conhecimento de Deus, a encíclica "Humanis generis", diz que:
 
Se, portanto, o homem é capaz de chegar a Deus, ele é também capaz de falar de Deus a todos os homens e com todos os homens. "Esta convicção está na base de seu diálogo com as outras religiões, com a filosofia e com as ciências, como também com os não-crentes e os ateus."
 
De fato, as verdades que se referem a Deus e às relações entre os homens e Deus são verdades que transcendem por completo a ordem das coisas sensíveis e, quando entram na prática da vida e a enformam, exigem sacrifício e abnegação própria. Ora, o entendimento humano encontra dificuldades na aquisição de tais verdades, quer pela ação dos sentidos e da imaginação, quer pelas más inclinações nascidas do pecado original. Isso faz com que os homens, em semelhantes questões, facilmente se persuadam de ser falso e duvidoso o que não querem que seja verdadeiro.
 
Por isso deve-se defender que a “revelação” divina é moralmente necessária, para que, no estado atual do gênero humano, todos possam conhecer com facilidade, com firme certeza e sem nenhum erro, as verdades religiosas e morais que não são por si inacessíveis à razão. Ademais, por vezes, pode a mente humana encontrar dificuldades mesmo para formar juízo certo sobre a “credibilidade” da fé católica, não obstantes os múltiplos e admiráveis indícios externos propiciados por Deus para se poder provar certamente, por meio deles, a origem divina da religião cristã, exclusivamente com a luz da razão. Com efeito, o homem, levado por preconceitos ou instigado pelas paixões e pela má vontade, não só pode negar a óbvia existência desses sinais externos, mas também resistir às inspirações sobrenaturais que Deus infunde em nossas almas.” (DH 3875, 3876)
Conforme se vê no trecho acima, a Igreja defende o diálogo com religiões não-cristãs, por meio da racionalidade, mas não esconde que há um problema de ordem linguística, pois a linguagem não é capaz de dizer Deus adequadamente, apenas de apontar para Ele.
 
As criaturas apresentam uma certa semelhança com Deus. O homem, por sua vez, é imagem e semelhança de Deus, embora por causa do pecado original, de alguma forma, tenha se tornado somente imagem Dele. A semelhança é readquirida quando aos poucos, por meio da santidade, ele se aproxima do modelo ideal de ser humano criado por Deus, que é o seu filho Jesus.
 
A grandiosidade de Deus é tamanha que o homem precisa constantemente recordar-se de que tem limites por causa do pecado original. Assim, é preciso uma ascese permanente para que o homem possa aproximar-se de Deus, cultivando a virtude da prudência, que é a capacidade de enxergar as coisas sem distorcê-las por causa do desejo ou da repulsa. Por fim, é preciso lembrar que, se existe uma semelhança entre Deus e o homem, maior ainda é a dessemelhança entre ambos:
 
Quando a Verdade reza ao Pai em prol dos seus fieis, dizendo: “Quero, Pai, que eles sejam um em nós, como também nós somos um”, o termo “um” referido aos fieis se deve entender no sentido de união de caridade na graça, enquanto, referido às pessoas divinas, indica a unidade de identidade na natureza, como diz a Verdade em outra passagem: “Sede vós portanto perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste”, como se dissesse mais claramente: “Sede perfeitos” com a perfeição da graça, “como o vosso Pai celeste é perfeito” com a perfeição da natureza, isto é, cada um a seu modo. Pois entre o criador e a criatura não se pode observar tamanha semelhança que não se deva observar diferença maior ainda. (DH 806)
Existe, portanto, um equilíbrio bastante grande por parte da Igreja quando se refere à teologia racional, pois, ela não prega o otimismo racionalista e nem o pessimismo fideísta, pelo contrário, encontra o meio-termo entre elas, dizendo que ambas devem caminhar juntas em direção ao Pai.