4. Capítulo IV - Porque o Universo começou?

21/06/2016 13:43

 

Porque o Universo começou?

 

Os céus proclamam a gloria de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos (SI 19.i).

 

Quando era menino, não me perguntava apenas sobre a existência do universo, mas também como ele havia começado. Recordo-me de estar deitado à noite, tentando imaginar um universo sem começo. Cada evento seria precedido de outro, cada vez mais para trás no passado, sem um ponto de parada — ou, mais precisamente, sem um ponto de partida! Um passado infinito, sem um começo. Minha mente titubeava diante dessa perspectiva. Isso me parecia inconcebível. Deve ter havido um começo, em algum ponto, pensava eu, para que tudo começasse.

      E mais uma vez, mal suspeitava que por séculos — ou melhor, por milênios — a humanidade vinha lutando com essa ideia de um passado infinito e com a questão de ter havido ou não um começo absoluto. Os antigos filósofos gregos acreditavam que a matéria era necessária, não criada e, portanto, eterna. Deus podia ser responsável por colocar ordem no universo, mas ele mesmo não o havia criado.
    Essa visão grega sobre o assunto contrastava com o pensamento judaico, ainda mais antigo. Escritores hebreus defendiam que não existira sempre, mas fora criado por Deus em algum momento do passado. Como está escrito no primeiro versículo das Escrituras hebraicas: “No princípio, Deus criou os céus e a terra”.
Mais para frente essas duas tradições contrastantes começaram a interagir. Então, surgiu na filosofia ocidental um debate contínuo, que durou por bem mais que mil anos, sobre a questão de o universo ter ou não um começo. Esse debate se deu entre judeus, muçulmanos e cristãos, tanto católicos quanto protestantes. E finalmente precipitou-se para um final inconclusivo no pensamento do grande filosofo do século xvii, Immanuel Kant. Ele defendia, ironicamente, que os dois lados tinham argumentos racionalmente convincentes, levando assim à falência da própria razão!
 
 
Al-Ghazali nasceu aproximadamente entre 1055 e 1058 da era cristã. Quando estava com trinta e poucos anos sua erudição chegou ao conhecimento do grão-vizir dos seljúcidas, que o nomeou mestre de uma prestigiosa madraçal (escola) de Bagdá. Ele tornou-se um homem de grande influência na corte e um confidente do sultão. Porém, seu estudo da literatura sufista o levou à conclusão de que era impossível viver segundo os altos padrões éticos de sua religião e, ao mesmo tempo, viver em meio à riqueza dos homens poderosos, pois ele está dando apoio a seu modo de viver corrupto. Assim, em 1095 ele deixou Bagdá em busca de uma vida mais simples. Ensinou em escolas menores até 1106, quando voltou a dar aulas em uma famosa madraçal para, segundo ele, corrigir a confusão teológica que imperava entre as pessoas. Al-Ghazali morreu em sua cidade natal, em 1111.
 
 
 
O argumento de Al-Ghazali
 
Mas, afinal, qual foi o argumento que causou tamanha controvérsia? Vamos ouvir agora um dos maiores e mais brilhantes especialistas medievais. Al-Ghazali foi um teólogo muçulmano do século XII que viveu na Pérsia, atual Irã. Sua preocupação era que os filósofos muçulmanos de sua época estavam sendo influenciados pela antiga filosofia grega a negar que Deus havia criado o universo. Eles sustentavam que o universo necessariamente fluía de Deus e, portanto, não tinha um início.
    Depois de haver estudado a fundo os ensinamentos desses filósofos, Al-Ghazali escreveu uma crítica intimidadora da perspectiva deles, intitulada A incoerência dos filósofos. Nessa obra fascinante ele argumenta que a ideia de um universo sem princípio é absurda. O universo tem que ter tido um princípio e, uma vez que nada começa sem uma causa, deve ter tido um Criador transcendente.
    Al-Ghazali estruturava seu argumento de forma bem simples: “Todo ente que começa a existir tem uma causa; ora, o universo é um ente que começou a existir; logo, ele possui uma causa para ter começado a existir”.
 
     Uma vez mais podemos sintetizar o raciocínio de Al-Ghazali em três simples premissas:
 
1. Tudo que começa a existir tem uma causa.
2. O universo começou a existir.
3. Logo, o universo tem uma causa.
 
    Esse argumento é tão maravilhosamente simples que é simples de memorizar e de compartilhar com outras pessoas. É também um argumento logicamente inescapável. Se as duas premissas são verdadeiras, então a conclusão necessariamente é verdadeira. Assim, quem quer que queira negar a conclusão deve considerar ou a premissa 1 ou a premissa 2 como falsa. Então, a questão central é a seguinte: é mais provável que esses argumentos sejam verdadeiros ou falsos? Vamos examinar cada uma dessas premissas por vez.
 
 
Primeira premissa
Tudo que começa a existir tem uma causa.
 
Acredito que a primeira premissa é praticamente impossível de ser negada por qualquer pessoa que esteja sinceramente em busca da verdade. Para que algo viesse a existir sem qualquer causa seria o mesmo que vir a existir a partir do nada. E isso é certamente impossível. Vamos ver três razões em apoio a essa premissa:
 
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 AJ-Ghazali Kitab aMqtisad fi’l-Ftiqad, citado em S. de Beaurecueil, “Gazzali et S. Thomas d’Aquin: Essai sur la preuve de 1'existence de Dieu proposée dans llqtisad et sa comparaison avec les ‘voies Thomiste”, Bulletin de 1’Institut Francais dA rchaeotogie Orientale 46 (1947): 203.
 
Porque o Universo começou?
 
1.Algo não pode vir a existir a partir do nada. A alegação de que algo veio a existir a partir do nada é pior do que mágica. Quando um ilusionista tira um coelho da cartola você pelo menos tem o ilusionista, sem mencionar a própria cartola! Mas se você refutar a premissa 1, será levado a pensar que o universo inteiro simplesmente surgiu em algum ponto do passado, sem que tenha havido qualquer razão para isso. No entanto, ninguém acredita sinceramente que as coisas, digamos um cavalo ou uma vila de esquimós, possa simplesmente surgir assim do nada, sem ter tido uma causa.
    Isso não é ciência para valer! Em lhe Sound ofM usic [O som da 
música], quando o capitão Von Trapp e Maria se declaram apaixonados, o que Maria diz? “Nada vem do nada; nada jamais pode vir do nada”. Normalmente não pensamos nos princípios filosóficos como algo romântico, mas Maria estava expressando aqui um princípio fundamental da metafísica clássica (Não há dúvida de que ela foi bem educada em filosofia no convento!).
    Pode ser que às vezes alguns céticos respondam a isso dizendo que na física, as partículas subatômicas (as chamadas “partículas virtuais”) vieram a existir do nada. Ou existam certas teorias sobre a origem do universo que às vezes são descritas em revistas populares como a possibilidade de se tirar algo do nada, de modo que o universo seria uma exceção ao ditado “Nada é de graça”.
    Essa resposta dos céticos representa um deliberado abuso da 
ciência. As teorias de que estamos falando tem a ver com partículas que se originam como uma flutuação de energia contida no vácuo. Para a física moderna, o vácuo não é o que o leigo entende' como “vácuo”, ou seja, como nada. Antes, para a física o vácuo é um mar de energia flutuante regido pelas leis da física e que tem uma estrutura física. Dizer a um leigo que com base nessas teorias podemos dizer que algo veio do nada significa distorcê-las.
 
 
UM ARGUMENTO JUDAICO-CRISTÃO MUÇULMANO
 
0 argumento cosmológico kalam surgiu pelo empenho de antigos filósofos cristãos, como João Filopono de Alexandria, para refutar a doutrina de Aristóteles acerca da eternidade do universo. Quando o Islã se difundiu por todo o Egito, ele incorporou essa tradição e desenvolveu sofisticadas versões do argumento, Os judeus conviveram com muçulmanos na Espanha medieval e, com o tempo, levaram essa tradição para o Ocidente cristão, onde ela foi defendida por Boaventura. Uma vez que cristãos, judeus e muçulmanos partilham de uma crença comum na criação, o argumento cosmológico kalam tem gozado de grande apelo entre as religiões, ele ajuda a construir pontes para compartilhar a fé cristã com judeus e especialmente com muçulmanos.
 
Se devidamente entendido, o “nada” não significa apenas o espaço vazio. O nada é a total ausência do que quer que seja, até mesmo do próprio espaço. Com tal, a condição de nada não possui literalmente falando nenhuma propriedade, uma vez que não existe nada para ter propriedades! E uma tolice, portanto, o que esses popularizantes da física argumentam quando dizem “O nada é instável” ou “O universo se encapsulou e passou a existir a partir do nada”!
    Quando publiquei pela primeira vez meu trabalho sobre o argumento cosmológico kalam, em 1979, percebi que os ateístas atacariam a segunda premissa do argumento, que diz que o universo começou a existir. Mas não imaginei que eles fossem atrás da primeira premissa, pois isso os exporia como pessoas que não estavam sinceramente em busca da verdade, mas apenas buscando uma refutação acadêmica de um argumento.
    Qual não foi a minha surpresa, então, ao ouvir ateístas refutando a primeira premissa com o intuito de escapar do argumento! Por exemplo, Quentin Smith, da Universidade Western Michigan, respondeu afirmando que a posição mais racional a se defender era que o universo veio “do nada, pelo nada e para o nada” — talvez um belo encerramento para um “discurso de Gettysburg” do ateísmo!
    Essa simplesmente é a crença do ateísmo. Na verdade, acredito que isso representa um salto de fé bem maior do que crer na existência de Deus. Pois isso é, como sempre digo, literalmente falando pior do que mágica. Se essa é a alternativa para quem não crê em Deus, então aqueles que não creem não podem jamais acusar aqueles que creem de irracionalidade, pois o que poderia ser mais evidentemente irracional do que isso?
 
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 Quentin Smith, Tljeism, Atheism, and Big Bang Cosmology. Oxford: Clarendon Press, 1993, p. 135.
 
Metafísica é 0 ramo da filosofia que se dedica a explorar questões relacionadas à natureza da realidade última. Entre os importantes temas da metafísica estão a natureza da existência, a natureza do tempo e do espaço, a relação entre mente e corpo, a realidade dos objetos abstratos e a existência de Deus.
 
Ciência Pop
Você tem que ficar de olhos bem abertos diante de artigos de revista e reportagens de televisão sobre teorias científicas. Afim de comunicar essas teorias altamente técnicas em linguagem compreensível ao homem comum, os jornalistas inevitavelmente têm que recorrer a metáforas e imagens que podem ser grosseiramente enganosas e imprecisas. A alegação de que os físicos demonstraram a possibilidade de que algo possa vir a existir a partir do “nada" é um desses casos.
 
 
2. Se algo veio a existir a partir do nada, então se torna inexplicável por que motivo qualquer coisa ou todas as coisas não vieram a existir a partir do nada. Pense a respeito disto: Por que uma bicicleta ou Beethoven ou um copo de cerveja simplesmente não surgem do nada? Por que somente o universo veio a existir do nada? O que torna essa origem do nada tão discriminatória? Não pode existir no nada algo que favoreça o universo, pois o nada não possui quaisquer propriedades. Nem pode haver algo que constranja o nada, uma vez que não há nada a ser constrangido!
 
 
Para discutir
Por que você supõe que muitas pessoas inteligentes pensam que faz sentido a hipótese de que o universo possa ter surgido do nada, sem uma causa?
 
    Já ouvi ateístas responderem a esse argumento afirmando que a primeira premissa é verdade para tudo o que existe no universo, mas não para o universo em si. Mas isso não passa da velha falácia do táxi que encontramos no capítulo 3. Não se pode dispensar o princípio causai com um aceno, como se ele fosse um táxi, quando já se tem o universo! A primeira premissa não é apenas uma lei da natureza, como a lei da gravidade, que só se aplica no universo. Antes, é um princípio metafísico que controla todos os entes, toda a realidade.
    A esta altura é provável que os ateístas repliquem: “Tudo bem. Se tudo tem uma causa, qual é a causa de Deus?’’ Fico pasmo com a atitude de contentamento com a própria esperteza dos estudantes que costumam fazer essa pergunta. Eles acreditam terem dito algo muito importante ou profundo, quando tudo o que fizeram foi compreender mal a premissa. A primeira premissa não diz que tudo tem uma causa. Antes, ela diz que tudo que veio a existir tem uma causa. Algo que seja eterno não precisa de uma causa, uma vez que nunca veio a existir, pois sempre existiu.
    Al-Ghazali, portanto, responderia essa pergunta dizendo que Deus é eterno e não causado. Essa não é uma alegação especialmente criada para Deus, pois é exatamente isso que os ateístas têm dito tradicionalmente a respeito do universo: ele c eterno e não criado. A questão é que temos boas evidências de que o universo não é eterno, mas teve uma origem, e assim os ateístas se veem num beco sem saída quando dizem que o universo passou a existir sem uma causa, o que é um absurdo.
 
    3- O senso comum e as evidências científicas confirmam a verdade da primeira premissa. A primeira premissa é continuamente verificada e jamais falseada. É difícil entender 
como alguém dedicado à ciência moderna poderia negar que a primeira premissa é mais plausivelmente verdadeira do que falsa à luz das evidências.
 
Para discutir
0 que você diria a alguém que diz que nada jamais veio a existir, uma vez que tudo é feito de materiais constituintes preexistentes?
 
    Penso o mesmo a respeito da primeira premissa do argumento kalam, que também acredito ser claramente verdadeira. Se o preço a se pagar pela refutação da conclusão do argumento é refutar a primeira premissa, então o ateísmo está filosoficamente falido.
 
 
Segunda premissa
O universo começou a existir.
 
A premissa mais polemica do argumento é a segunda, que diz que o universo começou a existir. Permita-me apresentar dois argumentos filosóficos e dois argumentos científicos em defesa dessa premissa.
 
Primeiro argumento filosófico: “Não pode haver um número atualmente infinito de coisas”
.Al-Ghazali argumentava que, se o universo nunca tivesse tido uma origem, então deve ter havido um número infinito de eventos passados anteriores a hoje. No entanto, segundo ele, não pode haver um número infinito de coisas. Essa alegação precisa ser cuidadosamente refinada. Al Ghazali reconhecia que um número potencialmente infinito de coisas pudesse existir, mas negava que um número atualmente infinito de coisas pudesse existir. Vou explicar a diferença.
 
 
Infinidade potencial vs. infinidade atual
 
Quando dizemos que algo é potencialmente infinito, o infinito serve meramente como um limite ideal que nunca é alcançado. Por exemplo, você poderia dividir qualquer distância finita na metade, e depois em quatro partes, e depois em oito, em dezesseis e assim sucessivamente até o infinito. O número de divisões é potencialmente infinito, no sentido de que você poderia ir adiante, dividindo-o ao infinito. Mas você jamais chegaria a dividi-lo por um número “infinito” de partes. Você jamais teria um número infinito atual de partes ou divisões.
    Ora, Al-Ghazali não tinha problemas com a existência de infinitos meramente potenciais, pois estes são apenas limites ideais. No entanto, quando se trata de um infinito atual, estamos tratando de um conjunto que não está em crescimento em direção ao infinito como limite, mas que ja está completo: o número de elementos que já integram o conjunto é maior do que qualquer número finito. Al-Ghazali alegava que se um número infinito atual de coisas pudesse existir, disso resultariam vários absurdos. Se quisermos evitar esses absurdos, então devemos negar que um número infinito atual de coisas exista. Isso significa que o número de eventos passados não pode ser atualmente infinito. Logo, o universo não pode não ter tido uma origem; antes, o universo começou a existir.
 
 
Uma objeção da matemática moderna
 
Alega-se com bastante frequência que esse tipo de argumento foi invalidado pela evolução da matemática moderna. Na teoria moderna de conjuntos, o uso de conjuntos infinitos atuais já é comum. Por exemplo, o conjunto de números naturais {0, 1, 2, ...} possui um numero infinito atual de membros. O numero de elementos desse conjunto não é meramente potencialmente infinito, segundo a teoria moderna de conjuntos; antes, o número de elementos desse conjunto é atualmente infinito. Muita gente inferiu equivocadamente que esses desenvolvimentos da matemática moderna diminuem o argumento de Al-Ghazali.
 
Georg Cantore
o INFINITO
Cantor (1845-1918) desenvolveu a teoria moderna dos conjuntos infinitos. 0 infinito é acusado de tê-lo levado à loucura, mas o mais provável é que uma combinação de stress e genética alimentou o que era provavelmente um transtorno bipolar. 
Vários de seus colegas da matemática se opunham a suas ideias. No entanto, apesar de suas crises de depressão, Cantor continuou a insistir em suas ideias. Ele trocou correspondências com teólogos e até mesmo com o papa Leão XIII sobre o infinito e estava convencido de que os números transfinitos tinham vindo a ele como uma mensagem de Deus.
 
Resposta à objeção: realidade vs. Ficção
 
Esses desenvolvimentos da matemática moderna apenas mostram que, se você adotar certos axiomas e regras, então você podç. falar sobre conjuntos infinitos de modo consistente, sem entrar em contradição. Tudo que esse expediente consegue é mostrar como estabelecer certo universo de discurso para se falar com consistência sobre infinitos atuais. Mas esse expediente não faz absolutamente nada em termos de mostrar que tais entidades matemáticas realmente existem ou que um número infinito atual de coisas possa existir. Se Al-Ghazali estiver certo, então esse universo do discurso pode ser considerado apenas como um domínio de ficção, como o mundo de Sherlock Holmes ou como algo que existe apenas em nossa mente.
     Além disso, o que Al-Ghazali alega não é que um número infinito atual de coisas envolva uma contradição lógica, mas sim que é impossível isso existir na realidade. Fazendo uma analogia, a alegação de que algo veio a existir a partir do nada não é logicamente contraditória, mas, ainda assim, é impossível em termos reais. Esses argumentos da matemática moderna, longe de diminuir o argumento de Al-Ghazali, podem na verdade reforçá-lo, proporcionando a nós uma compreensão da estranha natureza do infinito atual.
 
O hotel de Hilbert
O modo como Al-Ghazali traz à tona a real impossibilidade de um número infinito atual de coisas é imaginando o que seria se tal conjunto pudesse existir, e então extraindo dessa hipótese as conseqüências absurdas. Permita-me compartilhar com você uma das minhas ilustrações favoritas, chamada o “hotel de Hilbert”, pois é fruto da imaginação do grande matemático alemão, David Hilbert.
    Hilbert primeiro nos convida a imaginar um hotel comum, com um numero finito de quartos. Suponha que todos os quartos estejam ocupados. Se chegar mais alguém na recepção do hotel em busca dc um quarto, o atendente dirá: “Desculpe, estamos comple tamente lotados”, e a história acaba por aí.
    Mas agora, seguindo a analogia de Hilbert, suponha que existisse um hotel com um número infinito dc quartos, e imagine que os quartos estivessem também todos ocupados. Esse fato deve ser claramente analisado. Não há uma única vaga em todo esse infinito número de quartos do hotel; cada quarto já está ocupado por alguém. Agora suponha que chegue mais uma pessoa ao hotel em busca de um quarto na recepção. O atendente dirá: “Certo, senhor , e começara a transferir a pessoa do quarto 1 para o quarto 2, a do quarto 2 para o quarto 3 e assim sucessivamente até o infinito. Em conseqüência dessa mudança de quartos, o quarto 1 passa a ter uma vaga, e a pessoa que está na recepção registra-se no hotel toda satisfeita. Mas antes que ela chegasse, todos os quartos estavam ocupados!
E a coisa fica pior! Vamos supor agora, como diz Hilbert, que uma infinidade de novos hóspedes aparece na recepção à procura de quartos. “Sem problema, sem problema”, diz o gerente. E então ele passa a pessoa que está no quarto 1 para o quarto 2, a do quarto 2 para o quarto 4, a do quarto 3 para o quarto 6 e assim por diante, a cada vez passando a pessoa para um quarto que é o dobro do número daquele em que antes estava. Uma vez que qualquer número multiplicado por dois é um número par, todos os hóspedes acabam acomodados em quartos pares. Como resultado, todos os quartos de número ímpar ficam vagos, e aquela infinidade de novos hóspedes que havia chegado à recepção é facilmente acomodada. Na verdade, o gerente pode fazer esse mesmo procedimento inúmeras, infinitas vezes, sempre acomodando infinitamente novos hóspedes. E, contudo, antes que eles chegassem, todos os quartos já estavam cheios!
    Como um estudante certa vez me disse, se o hotel de Hilbert pudesse de fato existir teria que ter uma placa onde estaria escrito: 
Não há vagas (hóspedes são bem-vindos)”. Mas o hotel de Hilbert é ainda mais estranho do que o grande matemático alemão o criou para ser. Pois apenas faça a si mesmo a seguinte pergunta: O que aconteceria se alguns dos hóspedes começassem a deixar o hotel? Vamos supor que todos os hóspedes que estão em quartos ímpares resolvessem deixar o hotel. Nesse caso, um número infinito de pessoas teria deixado o hotel — na verdade, o mesmo número infinito de pessoas que teria permanecido. E, contudo, o número de pessoas hospedadas não diminuiria, mesmo as pessoas dos ímpares tendo resolvido deixar o hotel. Esse número é simplesmente infinito! Ora, vamos supor que o gerente não goste da ideia de ter um hotel com metade dos quartos vagos (pois isso não parece uma boa coisa para o negócio). Não há com que se preocupar! Basta apenas passar os hóspedes para outros quartos, como ele já fizera antes, só que desta vez fazendo em ordem contrária, que ele transformará um hotel com metade dos quartos vagos em um hotel lotado!
    Ora, você deve estar pensando que, com esse tipo de manobras, o gerente sempre poderá manter esse estranho hotel com sua lotação máxima. Mas você está enganado. Pois suponha que os hóspedes dos quartos 4, 5, 6,... deixem o hotel. Com um simples estalar de dedos o hotel estaria literalmente vazio, o registro de hóspedes estaria reduzido a apenas três nomes e o infinito estaria convertido em algo finito. E, ainda assim, seria verdade dizer que o número de hóspedes que deixou o hotel dessa vez é o mesmo que deixou quando os quartos ímpares foram desocupados. Será que um hotel assim pode de fato existir na realidade?
    O hotel de Hilbert é um absurdo. Uma vez que nada nos prende à ilustração envolvendo o hotel, esse argumento pode ser generalizado para demonstrar que a existência de um número infinito atual de coisas é um absurdo.
 
 
PARA DISCUTIR
Nada em nosso universo pode ser atualmente infinito. Mas o que dizer sobre Deus - que está além do nosso universo?
Em que sentido Deus é infinito? Por que isso importa?
 
Respostas à ilustração de Hilbert
 
Algumas vezes as pessoas reagem a essa ilustração dizendo que os absurdos resultam em função do fato de o conceito de infinidade estar além da nossa compreensão e, por isso. não podermos compreendê-lo. Mas essa resposta é errônea e ingênua. Como já disse, a teoria do conjunto infinito é um ramo bem compreendido e altamente desenvolvido da matemática moderna. Os absurdos são fruto do fato de entendermos sim a natureza do infinito atual. Hilbert era esperto e soube muito bem como ilustrar as bizarras conseqüências da existência de um número infinito atual de coisas.
    Na verdade, a essa altura só resta aos críticos de Hilbert morder a isca e dizer que o hotel de Hilbert não é um absurdo. As vezes alguns críticos tentarão justificar essa atitude dizendo que se um infinito atual pudesse existir, então situações como essas que foram descritas seriam exatamente as situações que deveríamos esperar. Mas essa é uma justificativa inadequada. Obviamente, Hilbert concordaria que se um infinito atual pudesse existir, a situação descrita nessa ilustração é a que deveríamos esperar. Do contrário, a ilustração dele não seria uma bAlém disso, os críticos não podem simplesmente morder a isca quando se tratar de certas situações, como as hipóteses em que os hóspedes começam a deixar o hotel, pois aqui temos uma contradição lógica: subtraímos quantidades idênticas de quantidades idênticas e acabamos com resultados não idênticos. E por isso que namatemática é proibido subtrair infinito de infinito. Porém, emborapossamos puxar as orelhas de um matemático que tente quebrar essa proibição, não podemos impedir pessoas de deixarem o hotel quando estamos falando da vida real.oa ilustração! Mas a questão é se seria realmente possível existir um hotel como esse.
   Além disso, os críticos não podem simplesmente morder a isca quando se tratar de certas situações, como as hipóteses em que os hóspedes começam a deixar o hotel, pois aqui temos uma contradição lógica: subtraímos quantidades idênticas de quantidades idênticas e acabamos com resultados não idênticos. E por isso que namatemática é proibido subtrair infinito de infinito. Porém, emborapossamos puxar as orelhas de um matemático que tente quebrar essa proibição, não podemos impedir pessoas de deixarem o hotel quando estamos falando da vida real.
 
 
PARA DISCUTIR
Al-Ghazali demonstrou que um número infinito de eventos passados é impossível. E quanto ao futuro? Ele é atualmente infinito ou apenas potencialmente infinito? De que modo a eternidade difere de um número infinito de momentos no tempo?
 
    Por isso, acredito que o argumento de Al-Ghazali é um bom argumento. Ele mostra que o número de eventos passados deve ser finito. Portanto, o universo deve ter tido uma origem.
Segundo argumento filosófico: “Você não pode passar por um número infinito de elementos um de cada vez”Al-Ghazali tem um segundo e independente argumento para explicar a origem do universo. Logo, aqueles que negam que o universo teve uma origem têm que refutar não somente seu primeiro argumento, mas também esse segundo argumento, uma vez que um não depende do outro.
 
Contando até o infinito (ou a partir dele)
 
Segundo Al-Ghazali, a cadeia de eventos passados se formou pelo acréscimo de um evento em seguida do outro. Essa cadeia é como uma fileira de dominós que vão caindo, um depois do outro, até chegar ao último dominó, que seria a nossa época. Porém, segundo argumenta Al-Ghazali, nenhuma seqüência formada pelo acréscimo de um elemento depois do outro pode ser um infinito atual, pois você não poderia passar por um número infinito de elementos um de cada vez.
    Isso é fácil de ver quando se tenta contar até o infinito. Não importa até que ponto você consiga chegar, pois sempre restará um número infinito para contar.
    Mas se você não pode contar até o infinito, como poderia fazer uma contagem regressiva a partir do infinito? Seria o mesmo que tentar fazer uma contagem regressiva de todos os números negativos terminando no zero: ...,-3 ,-2 ,-1, 0. Parece loucura. Pois antes que você pudesse chegar ao zero, teria que passar pelo -1, e antes que pudesse chegar ao -1 teria que passar pelo -2 e assim por diante até o infinito. Assim, antes que você pudesse contar qualquer número teria que contar primeiro uma infinidade de números. Você seria empurrado cada vez mais para trás de modo que nenhum número jamais poderia ser contado.
    Mas assim, se um número infinito tivesse que cair primeiro o ultimo dominó jamais poderia cair. C assim não poderíamos chegar à nossa época, ao dia de hoje. Mas obviamente chegamos! Isso mostra que a cadeia de eventos passados deve ser finita e ter tido um começo, uma origem.
Uma objeção: “Podemos chegar ao presente de qualquer ponto do passado”
Alguns críticos disseram em resposta a esse argumento que mesmo na hipótese de um passado sem um começo, qualquer evento passado está apenas a uma distância finita do presente. Compare a seqüência de números negativos: ..., -3, -2, -1, 0. Essa seqüência não tem um começo; no entanto, qualquer que seja o número que você escolha, digamos, o -11 ou o -1.000.000 ou qualquer que seja o número, ele estará apenas a uma distância finita do zero. Mas a distância finita de qualquer evento passado em relação ao presente é facilmente ultrapassada, assim como pode fazer uma contagem regressiva até zero a partir de qualquer número negativo que escolher.
 
 
A FALACIA DE COMPOSIÇÃO
Cada uma das partes de um elefante pode não ser pesada, mas isso não significa que o elefante inteiro não seja pesado!
 
Resposta à objeção: a falácia de composição
 
Essa objeção comete uma falácia lógica chamada “falácia de composição". Ela consiste em confundir a propriedade da parte com a propriedade do todo. Por exemplo, as partes de um elefante podem ser leves em termos de peso, mas isso não significa que o elefante inteiro seja leve!
    No caso em questão, somente pelo fato de cada parte finita de uma seqüência poder ser ultrapassada ou submeter-se a uma contagem regressiva isso não significa que toda a seqüência infinita também possa. Os críticos cometeram, portanto, uma falácia elementar. A questão não é como qualquer parte finita do passado pode ser formada pelo acréscimo de um evento depois do outro, mas sim como o todo, ou seja, todo o passado sem uma origem pode ser formado pelo acréscimo de um evento em seguida do outro.
 
 
Mais dois absurdos
 
AJ-Ghazali procurou aumentar a impossibilidade de se formar um passado infinito ao dar ilustrações dos absurdos que resultariam se essa hipótese fosse possível. Por exemplo, suponha que para cada órbita completa que Saturno dá em volta do Sol, Júpiter complete duas. Quanto mais voltas ele der, mais atrás Saturno ficará. Se continuarem dando voltas eternamente em torno do Sol, ambos chegarão a um limite no qual Saturno estará infinitamente atrás de Júpiter. Os dois planetas, obviamente, jamais chegarão a esse limite na realidade.
    Agora, porém, vamos imaginar o contrário: Vamos supor que Júpiter e Saturno estejam dando voltas em torno do Sol desde a eternidade. Qual deles terá dado mais voltas completas? A resposta é que o número de voltas que os dois planetas deram é exatamente o mesmo: infinito! (Não permite que alguém tente escapar desse argumento dizendo que o infinito não é um número. Para a matemática moderna é um número, o número de elementos do conjunto {0, 1, 2, 3,... }.) Mas isso parece absurdo, pois quanto mais voltas eles derem mais aumentará a distancia entre eles. Então, como o número de voltas se tornou magicamente igual pelo fato de fazê-los dar voltas desde a eternidade?
   Vamos supor que encontremos alguém que alega estar fazendo uma contagem regressiva desde a eternidade e que está prestes a terminá-la:... -3, -2, -1, 0! Nossa! Por que, podemos perguntar, ele está terminando sua contagem justamente hoje?
Por que não terminou ontem ou anteontem? Afinal, até esse ponto uma porção infinita de tempo já teria decorrido. Assim, se essa pessoa estivesse contando à velocidade de um número por segundo, ela já teria tido um número infinito de segundos para terminar sua contagem. Ele já deveria tê-la terminado! Na verdade, em qualquer ponto do passado, ele já teria tido um número infinito de segundos e já deveria ter acabado de contar. Mas então não podemos encontrar em nenhum ponto do passado essa pessoa terminando sua contagem, o que contradiz sua hipótese de que ele vinha contando desde a eternidade.
    Essas ilustrações apenas reforçam a alegação de Al-Ghazali de que nenhuma seqüência formada a partir do acréscimo de um elemento depois do outro pode ser um infinito atual. Uma vez que a seqüência de eventos passados tem sido formada pelo acréscimo de um evento após o outro, ela não pode ser infinita em termos atuais. Deve ter tido um começo, uma origem. Assim, temos um segundo bom argumento para a segunda premissa do argumento cosmológico kalam que diz que o universo começou a existir.
 
 
Primeiro argumento científico: a expansão do universo
 
Um dos mais espantosos avanços da moderna astronomia, que Al-Ghazali jamais teria antecipado, é o fato de que agora temos fortes evidências científicas em favor da origem do universo. Sim, a ciência fornece uma das mais dramáticas evidências em favor da segunda premissa do argumento cosmológico kalam. A primeira confirmação científica de que houve uma origem vem da expansão do universo.
 
O “Big Bang”
Ao longo de toda a história, a humanidade assumia que o universo como um todo era imutável. Ê evidente que as coisas no universo se movimentavam e mudavam, mas o universo em si ficava lá, imutável, por assim dizer. Esse pressuposto também valia para Albert Einstein, quando ele começou a aplicar ao universo, em 1917, a sua nova teoria da gravidade, chamada “teoria geral da relatividade”.
    Mas Einstein percebeu que havia alguma coisa terrivelmente errada. As equações dele descreviam um universo que estava explodindo como um balão ou entrando em colapso sobre si mesmo. Perplexo, Einstein “resolveu” o problema camuflando suas próprias equações, acrescentado a eles um novo termo para permitir que o universo andasse por essa corda bamba entre as hipóteses de explosão e a de implosão.
 
 
Para discutir
Por que supomos que Einstein possa ter se sentido desconfortável com a Ideia de que o universo não era permanente e imutável?
 
Durante a década de 1920 o matemático russo Alexander Friedman e o astrônomo belga Georges Lemaitre decidiram tomar as equações de Einstein por seu valor aparente, e como resultado disso cada um deles chegou a um modelo independente de expansão do universo. Em 1929, o astrônomo americano Edwin Hubble, através de incansáveis observações no Observatório de monte Wilson, fez uma surpreendente descoberta que comprovava as teorias de Friedman e Lemaitre. Ele descobriu que a luz vinda de galáxias distantes parecia ser mais vermelha do que se esperava. Esse desvio da luz para o vermelho devia-se mais possivelmente ao alongamento das ondas de luz à medida que as galáxias se moviam para longe de nós. Para onde quer que apontasse seu telescópio no céu noturno, Hubble observava esse mesmo desvio da luz para o vermelho vindo das galáxias. Parecia que estávamos no centro de uma explosão do cosmos, e todas as demais galáxias estavam se afastando de nós a velocidades fantásticas!
   Ora, segundo os modelos de Friedman e Lemaitre, não estávamos realmente no centro do universo. Antes, o que acontecia era que um observador, em qualquer galáxia que estivesse, olharia e veria as demais galáxias se afastando dele também. Não havia um centro no universo. Segundo essa teoria, isso acontecia porque era o próprio espaço que estava expandindo. As galáxias na verdade estavam em repouso no espaço, mas elas se afastavam uma da outra à medida que o próprio espaço se expandia. Para visualizar esse conceito tão difícil, imagine um balão que tivesse botões colados à sua superfície (Fig. 1). Como estão colados ao balão, os botões não se movem pela sua superfície. Mas à medida que você enche o balão, os botões vão se afastando cada vez mais uns dos outros, pois o balão vai ficando cada vez maior. Observe que a superfície do balão não tem um centro. (Há um ponto central dentro do balão, mas nós estamos nos concentrando apenas em sua superfície). No entanto, um observador que estivesse em qualquer um desses botões sentiria como se estivesse no centro da expansão, pois ele olharia ao redor e veria todos os demais botões se afastando dele. 
 
 

 

 

Em andamento...

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