2. Capítulo II. Que diferença faz se Deus existe?

06/05/2016 10:25
 
CAPÍTULO 2
"QUE DIFERENÇA FAZ SE DEUS EXISTE"?
 
Mas, quando pensa em tudo que as minhas mãos haviam feito e em todo o esforço que empenhei no que realizei, percebi que tudo era ilusão; tudo foi como perseguir o vento (Ec 2.11).
 
Jan e eu estávamos morando na Bélgica quando a União Soviética e a cortina de ferro caíram. Foi uma época incrível para se filar nas universidades em toda a Europa, um evento histórico dessa proporção, que estava mudando o mundo, acontecendo bem diante de nossos olhos. Em uma viagem para São Petersburgo (antiga Leningrado), logo após a queda da cortina de ferro, visitei o famoso cosmólogo russo, Andrei Grib. Enquanto passeávamos por um convento, admirando esplêndidos tesouros do passado da Rússia czarista, perguntei a Andrei sobre a maciça procura por Deus na Rússia, logo após a queda do comunismo. “Bem”, ele me disse com forte sotaque russo, “em matemática chamamos isso de prova por contradição. Pode-se provar que algo é verdadeiro mostrando-se que o contrário daquilo é falso. Por setenta anos tentamos adotar o marxismo ateu neste país, e não funcionou. Por isso, todos chegaram à conclusão de que o oposto deve ser verdade!”.
    Parte do desafio de fazer norte-americanos, e os ocidentais em geral, pensarem sobre Deus está no fato de que eles se acostumaram tanto com Deus que o tomam como algo certo. Jamais pensam em perguntar quais seriam as implicações se Deus não existisse. O resultado disso é a crença de que Deus é irrelevante. Não faz diferença se ele existe ou não.
    Portanto, antes de compartilhar com as pessoas as evidências em favor da existência de Deus, pode ser que seja preciso primeiro ajudá-las a ver por que isso importa. Do contrário, elas simplesmente nem ligarão. Ao mostrar a elas as implicações do ateísmo, podemos ajudá-las a ver que a questão da existência de Deus significa muito mais do que um mero acréscimo de outro item em nosso repertório — pelo contrário, é uma questão que se encontra na própria essência do sentido da vida. Logo, diz respeito à essência de cada um de nós.
 
Reductio ad absurdum ou redução ao absurdo é uma forma de argumento que prova a veracidade de um enunciado pela demonstração de que seu contrário é absurdo. O sentido tem a ver com importância, o porquê de algo importar. 0 valor tem a ver com o bem e o mal, o certo e o errado. O propósito tem a ver com uma meta, uma razão para algo.
 
    A “prova por contradição” do professor Grib também é conhecida como reductio ad absurdum (redução ao absurdo). Esse rótulo é bem apropriado quando se trata de ateísmo. Muitos filósofos, como Jean-Paul Sartre e Albert Camus, já argumentaram que se Deus não existe, logo a vida é absurda. Reconhecemos que nenhum deles fez prova em contrário disso, ou seja, nenhum deles provou que Deus existe. Antes, eles concluíram que a vida realmente é absurda. No entanto, a análise que fizeram da existência humana nos mostra claramente as cruéis implicações do ateísmo.
 
Objetivo versus subjetivo
 
Objetivo é tudo o que é real e verdadeiro independente da opinião que alguém tenha a seu respeito. “H20 é a fórmula da água” é um fato objetivo. Subjetivo é tudo o que se reduz a uma questão de opinião pessoal. Dizer que “o sabor baunilha é mais gostoso do que o sabor chocolate” é algo subjetivo. Você poderá guardar bem esses termos lembrando-se que “objetivo” é como um objeto que está realmente ali, na sua frente, ao passo que “subjetivo” é como um sujeito ou uma pessoa de cuja opinião algo dependa.
 
    O absurdo da vida sem Deus pode não provar que Deus existe, mas na verdade mostra que a questão da existência de Deus é a pergunta mais importante que alguém pode se fazer. Ninguém que conheça a fundo as implicações do ateísmo ousará dizer que tanto faz se Deus existe ou não.
    Quando uso a palavra Deus neste contexto, quero dizer o Criador do universo, o Deus onipotente e perfeito, que nos oferece a vida eterna. Se esse Deus não existisse, então a vida seria absurda. Isso equivale a dizer que a vida não teria sentido, valor ou propósito.
    Esses três conceitos — sentido, valor e propósito — embora sejam intimamente relacionados, são distintos. Sentido tem a ver com significado, com o porquê algo importa. Valor tem a ver com o bem e o mal, o certo e o errado. Propósito tem a ver com a finalidade, com a razão de algo existir.
    Minha alegação é que, se Deus não existir, então sentido, valor e propósito são, em última análise, meras ilusões humanas. São coisas que só existem em nossa cabeça. Se o ateísmo for verdade, então a vida de fato é objetivamente sem sentido, sem valor e sem propósito, a despeito das crenças subjetivas que possamos ter em contrário.
    Vale a pena destacarmos esse ponto, uma vez que ele é tão frequentemente mal compreendido. Não estou dizendo que um ateu veja a vida como algo maçante, sem sentido, ou que ele não tenha valores pessoais, ou leve uma vida imoral, não tenha objetivos nem propósitos 11a vida. Ao contrário, a vida seria insuportável e impossível de viver sem tais crenças. Meu ponto é que, dado o ateísmo, todas essas crenças não passam de ilusões subjetivas: são meras aparências de sentido, valor e propósito, muito embora, objetivamente falando, nada disso realmente exista. Se Deus não existir, nossas vidas são, em última análise, destituídas de sentido, de valor e de propósito, não importa o quão desesperadamente nos agarremos a ilusões em contrário.
 
O absurdo da vida sem Deus
 
Se Deus não existir, tanto o homem quanto o universo estão inevitavelmente fadados à morte. O homem, como todos os demais organismos biológicos deve morrer um dia. Sem a esperança da imortalidade, a vida humana caminha apenas para a cova. A vida humana não passa de uma faísca na escuridão infinita, uma faísca que aparece, emite uma trêmula chama e se extingue para sempre.
    Portanto, todo mundo deve ficar face a face com aquilo que Paul Tillich chamou de “a ameaça do não ser”. Pois, embora eu saiba que existo, que estou vivo, também sei que um dia não mais existirei, deixarei de existir, morrerei. Essa ideia é atordoante e ameaçadora: pensar que a pessoa que chamo de “mim mesmo” deixará de existir, e não mais será!
    Lembro-me claramente da primeira vez que meu pai me explicou que um dia eu morreria. De algum modo aquele pensamento nunca havia passado pela minha mente infantil. Quando ele me disse isso, fui tomado por um grande medo e uma tristeza profunda. E embora ele ficasse me dizendo que isso ainda demoraria a acontecer, aquilo não parecia importar para mim. Cedo ou tarde, o fato inegável é que eu iria morrer, e esse pensamento me oprimia.
    Com o passar do tempo, como acontece com todos nós, eu passei simplesmente a aceitar o fato. Todos nós aprendemos a conviver com o inevitável. Mas aquela percepção da minha infância ainda me assombra. Gomo disse Sartre, uma vez perdida a eternidade, não faz muita diferença se isso demorar muitas horas ou muitos anos. O próprio universo também encara a morte a seu próprio modo. Os cientistas nos dizem que o universo está se expandindo, e que as galáxias estão cada vez mais se distanciando. À medida que isso acontece, vai ficando cada vez mais frio, à medida que se consome a energia. Um dia todas as estrelas se apagarão, e toda matéria será atraída por estrelas mortas e buracos negros. Não haverá mais luz, nem calor, nem vida; somente estrelas mortas e galáxias expandindo-se cada vez mais para dentro da escuridão sem fim dos frios intervalos do espaço — um universo em ruínas.
 
Um homem disse ao universo:
 
“Eu existo!” Então o universo respondeu: “Mas esse fato não gerou para mim nenhum senso de obrigação.”
 
 Não estou falando de ficção científica: isso realmente vai acontecer, a menos que Deus intervenha. Não é só a vida de cada um de nós que está fadada a terminar um dia; toda raça humana e tudo que a civilização humana já construiu e conquistou está fadado a ter o mesmo fim. Somos como prisioneiros condenados à morte, aguardando a inevitável execução da sentença. Não há como escapar. Não há esperança.
    E qual é a consequência disso? Isso significa que a própria vida se torna algo absurdo. Significa que a vida que temos não tem um sentido, nem valor nem propósito final. Vamos analisar cada um desses pontos.
 
Sem um sentido último
 
Se toda pessoa deixa de existir quando morre, então, que sentido último há em viver? Será que faz alguma diferença no final ter ou não sequer existido? Com certeza a vida de uma pessoa pode ser importante em relação a certos acontecimentos, mas qual é o sentido último de qualquer desses acontecimentos? Se tudo está fadado a se acabar, então o que importa o fato de alguém ter tido alguma influência sobre determinados acontecimentos? Km ultima análise, não tem a menor importância.
 
PARA DISCUTIR:
 
Já sentiu alguma vez as trevas do desespero tomando conta de você, a sensação de que sua vida não tem sentido? Como lidou com isso?
 
    A humanidade, portanto, não tem mais sentido do que um enxame de mosquitos ou um punhado de porcos, pois o final de todos é o mesmo. O mesmo processo cósmico cego, do qual eles resultaram, vai, no fim de tudo, tragá-los de volta. As contribuições de um cientista para o avanço do conhecimento humano, as pesquisas para aliviar a dor e diminuir o sofrimento, os esforços diplomáticos para garantir a paz mundial, os sacrifícios feitos por pessoas de bem, em todo o mundo, para melhorar a sorte da raça humana — tudo isso resultará em nada. E este é o horror do homem moderno: por ele acabar em nada, ele nada é.
   Porém, é importante perceber que o homem precisa mais do que apenas imortalidade para sua vida fazer sentido. A mera duração da existência não faz com que a existência tenha um sentido. Anda que a raça humana e o universo pudessem existir para sempre, se Deus não existisse, a existência continuaria a não ter um sentido último. Certa vez li uma estória de ficção científica em que um astronauta foi abandonado em um estéril pedaço de rocha perdido no espaço sideral. Ele trazia consigo dois frascos, um deles com veneno e o outro tinha uma poção que o faria viver para sempre. Ao perceber o futuro que o aguardava, ele tomou o frasco de veneno. Mas, para seu horror, o pobre homem descobriu que havia tomado o frasco errado: ele tinha tomado a poção da imortalidade! E isso significava que estava condenado a viver para sempre uma vida sem sentido, sem fim.
    Ora, se Deus não existir, nossas vidas são como a desse astronauta. Poderíamos viver para sempre e ainda assim vivermos uma vida completamente sem sentido. Mesmo se fossemos eternos, ainda assim perguntaríamos para a vida: “Afinal, e daí?”. Portanto, o homem não precisa apenas da imortalidade para que haja um sentido último para viver: ele precisa de Deus e da imortalidade. E se Deus não existir, então ele não tem nem uma coisa nem outra.
    Logo, se Deus não existir a própria vida se torna sem sentido. O homem e o universo ficam sem um sentido último.
 
PARA DISCUTIR:
 
Cite alguns personagens de filmes que exemplificaram o absurdo da vida. Como eles expressavam essa ideia de que a vida é absurda?
 
Sem um valor último
 
Se a vida termina no túmulo, então não faz a menor diferença se você vive como um Stalin ou como madre Teresa de Calcutá. Uma vez que seu destino não tem qualquer relação final com seu comportamento, você pode perfeitamente viver como bem entender. Como disse certa vez Dostoiévski: 
“Se a imortalidade não existe [...] então tudo é permitido.”
    Os torturadores oficiais nas prisões russas entendiam bem essa colocação. Veja o relato de Richard Wurmbrand, um pastor que foi torturado por sua fé:
    E difícil acreditar na crueldade do ateísmo quando não se crê na recompensa do bem ou na punição do mal. Não há motivo para ser humano. Não há limites para as insondáveis profundezas do mal que se encontram dentro do homem. Os torturadores comunistas costumavam dizer: “Não há Deus, não há outra vida, não há punição para o mal. Podemos fazer o que bem quisermos." Ouvi até mesmo um torturador dizer: “Agradeço a Deus, em quem não acredito, por ter vivido para colocar para fora todo o mal que trago em meu coração.” ' lhe disse essas palavras em meio a uma inacreditável brutalidade, enquanto torturava prisioneiros.
    Devido ao caráter definitivo da morte, realmente não importa como se vive. Então, o que dizer a alguém que conclui que também pode viver como bem entender, do jeito que mais lhe agradar?
    Pode ser que alguém diga que adotamos um padrão de vida moral porque isso interessa a nós mesmos. Você lava minhas costas, que eu lavo as suas! Mas isso claramente nem sempre e verdade: todos sabemos de situações em que o interesse próprio se choca de frente com a moralidade. Ainda mais se você for alguém poderoso, como um Ferdinando Marcos, um Papa Doc Duvalier ou mesmo um Donald Trump; nesse caso, você pode praticamente ignorar os ditados da consciência e viver tranquilamente do jeito que bem entender.
    O historiador Stewart C. Easton resume bem essa questão, quando escreve: “Não ha nenhuma razão objetiva para que o homem tenha moral, a menos que a moralidade traga alguma recompensa para sua vida em sociedade ou o faça sentir-se bem. Não há nenhuma razão objetiva para que o homem faça qualquer coisa, a menos que isso lhe traga algum prazer.
 
Ri.hard Wurmbrand, lt/,;.nva for Christ. Londres: Hodder & Stoughtor 1 % ,  p. 34. Publicado em português sob o título Torturado por amor a isto, pela Voz dos Mártires.
 Stewart C. haston, lhe Western Hentage. Nova Iorque: Holt, Rinehart, & Wínston,1966, p. 8 8.
 
    Mas o problema fica ainda pior. Pois, mesmo deixando de lado a imortalidade, se Deus não existir, então não há um padrão objetivo do que seja certo ou errado. Somos todos confrontados com isso que é, nas palavras de Sartre, “a realidade nua e crua, a realidade sem valor da existência”. Nesse caso os valores morais são meras expressões de gosto pessoal ou subprodutos da evolução biológica ou do condicionamento social.
    Afinal de contas, segundo a visão do ateísmo, não há nada de especial nos seres humanos. Eles são meros subprodutos acidentais da natureza, que de forma relativa evoluíram recentemente sobre uma partícula infinitesimal de poeira chamada planeta Terra, perdido em algum lugar desse universo hostil e sem propósito, e que estão fadados a perecer, individual e coletivamente, em um tempo relativamente curto. A avaliação que Richard Dawkins faz do valor do ser humano pode ser deprimente, mas por que, dado o ateísmo, ele estaria errado quando diz que “no final não há nenhum design, nenhum propósito, nenhum mal, nenhum bem, nada mais do que uma insípida indiferença [...] Somos máquinas para a propagação de DNA [...] Essa é a única e exclusiva razão de cada ser vivo existir”? 
    Em um mundo sem Deus, quem pode dizer quais valores são certos e quais são errados? Nesse mundo não pode existir certo e errado, mas somente nossos juízos pessoais, relativos e subjetivos. Pense no que isso significa! Significa que é impossível condenar a guerra, a opressão, os crimes ou o mal.
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    Citado em Lewis Wolpert, Six Impossible Things before Breakfasi New York: W. W. Norton & Co, 2008 p. 21^. Infelizmente, a referência de Wolpert está equivocada. L^sa citac o parece ter sido extraída de Richard Dawkins, River out o f Eden: a D arwinian View ofL ife. Nova Iorque: Basic Books, 1996, p. 133 (publicado em português sob o título O rio que saía do Eden: uma visão darwiniana da vida, pela editora Rocco); e de outro escrito de Richard Dawkins, “The Ultraviolet Garden,” Palestra 4 das 7 Palestras do Royal Ins' tution Christmas, Londres, 1991. Agradeço a meu assistent Joe Gorra por traçar a origem dessa referência!
 
 
    Também não se pode louvar a generosidade, o autos sacrifício nem o amor. Matar ou amar alguém são coisas moralmente equivalentes. Pois em um universo sem Deus, não há bem e mal — há apenas “a realidade nua c crua, a realidade sem valor da existência”, e não há ninguém para dizer se você está certo ou errado.
 
 
 
 
 

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