7. A perseguição aos cristãos e o imperador Constantino

05/03/2014 16:44

 

A perseguição mais sangrenta enfrentada pelo cristianismo foi a de Diocleciano. Ela deu início à era dos mártires e, por pouco, não extinguiu os cristãos. Mas Deus, em sua providência, utilizou-se de Constantino para pôr um fim à violência e fazer nascer um tempo de paz para a Igreja. Conheça os detalhes dessa importante época do Cristianismo nesta aula de História da Igreja.

 

O último grande imperador do Império Romano foi Diocleciano (284-305). Ele governou durante o período que ficou conhecido como Baixo Império e, embora esse título tenha por objetivo apenas situá-lo cronologicamente, tem sido utilizado também para fazer referência ao declínio do Imperio, à sua decadência em todos os aspectos.

Diocleciano percebeu que o Império estava sendo ameaçado por inimigos externos e que poderia ser esmagado também por seus problemas internos e, com suas habilidades estratégicas, encontrou a solução mais adequada para o momento. O grande escritor Daniel-Rops, em cuja obra "A Igreja dos Apóstolos e dos mártires" este curso se inspira, diz a respeito da ideia de Diocleciano:

Antes de mais, era necessário dar uma base sólida à obra de seus predecessores, os imperadores ilíricos, e tornar impossível o retorno àquela terrível crise de anarquia que durante trinta anos ameaçara fazer soçobrar o Império. Ocorreu-lhe que os territórios confiados à sua guarda eram excessivamente vastos para as forças de um só homem, e que seriam indispensáveis vários chefes para manter a ordem e defender as fronteiras. Ao mesmo tempo, esta partilha de autoridade podia servir para resolver de uma maneira definitiva a sempre delicada questão das sucessões. Dois anos depois de assumir o poder, em 286, associou a si um colega, Maximiano, um panônio inculto, soldado aventureiro de pêlo hirsuto e feições obstinadas, mas dotado de uma energia feroz e que mantinha pelo seu amigo um indefectível respeito. Maximiano adotou o sobrenome de Hércules, enquanto Diocleciano reservou para si o de Júpiter, o que marcava bem as distâncias. O Império foi dividido em duas partes, ficando Diocleciano com o Oriente e Maximiano com o Ocidente. Estava criada a diarquia. O sistema foi completado em 293 com a criação de dois novos imperadores que, como os primeiros, exerciam o poder em regiões distintas, ocupando no entanto uma categoria inferior. Diocleciano e Maximiano detinham os títulos de Augustus, ao passo que os outros dois eram somente Césares. E assim nasceu a tetrarquia. (p. 387)

Nos anos seguintes reinou uma relativa paz , na qual os cristãos puderam exercer a fé de modo tranquilo, sem perseguições. Ao mesmo tempo, o Império Romano passava por transmutações, pois, "à medida que progredia no caminho da organização pública e centralizadora, o sistema tetrárquico podia suportar cada vez menos qualquer espécie de não-conformismo." Os tetrarcas haviam implementado o que nem os mais loucos de seus predecessores haviam conseguido: eles se declararam deuses em vida, inclusive com rito de adoração. Diante disso, Diocleciano entendeu que:

A oposição entre o cristianismo e este regime de coação oficial resultava da própria natureza dos dois adversários: já então a Igreja, em face do totalitarismo, assumia uma atitude de recusa e de resistência. Diocleciano acabou por compreender que os cristãos nunca colaborariam nos seus esforços e que se conservariam substancialmente, na oposição. (p. 390, 391)

Sendo os cristãos obstáculos a serem vencidos, Diocleciano inicia a perseguição mais sangrenta e cruel da história do cristinianismo. Contudo ela não aconteceu de modo repentino, pois, como foi dito, o Império e o cristianismo viveram em paz por cerca de trinta anos. Historiadores contam que foi graças à instigação de Galeno junto a Diocleciano, afirmando que havia a necessidade de uma depuração entre os oficiais que ela de fato se iniciou. Após alguns acontecimentos pontuais envolvendo cristãos, finalmente Diocleciano decidiu-se pela força e baixou um primeiro edito contra eles (24/02/303) proibindo os cultos, mandando que as igrejas fossem destruídas, os livros sagrados incinerados e que os funcionários públicos abjurassem. Todavia, o edito não incentivava a morte e a tortura dos cristãos e isso somente ocorreu após dois incêndios bastantes suspeitos acontecerem no palácio de Diocleciano. Num deles, Galeno "abandonou a capital, gritando que não queria ser queimado vivo e insinuando que não teria dificuldade alguma para encontrar os responsáveis", claramente se referindo aos cristãos. Diante disso, Diocleciano foi tomado pelo pavor e totalmente alucinado, tomou as seguintes medidas:

Exigiu que a mulher e a filha abjurassem expressamente, mandou prender o seu camareiro-mor, o cristão Doroteu, assim como o bispo Antima e grande quantidade de sacerdotes e fiéis, que pereceram no meio das mais horríveis torturas. Três editos sucessivos acentuaram passo a passo o rigor das medidas, e pôs-se novamente em vigor a ordem de Décio pela qual todos os cristãos eram obrigados a sacrificar. Desencadeava-se a perseguição sangrenta através do Império. (p. 392)

A perseguição continuou cada vez mais violenta e cruel visando sobretudo encontrar os livros sagrados para queimá-los. Com isso inaugurou-se um novo período da era cristã: a era dos mártires, pois muitos preferiram dar o sangue e a vida para proteger os livros e se manterem fiéis a Cristo. A perseguição mais cruenta que o cristianismo enfrentou durou dez anos aproximadamente e contou com toda sorte de atrocidades contra os cristãos, o que gerou inúmeros e detalhados relatos de martírios.

O homem que poria um fim à perseguição e mudaria os rumos do cristianismo chamava-se Constantino. Filho de Constâncio Cloro, um dos tetrarcas, a quem coube o Império Romano do Ocidente, foi proclamado Augusto, após a morte do pai e à revelia de Galeno, que lhe concedeu apenas o título de César. Após várias vitórias militares, Constantino torna-se o único poder no Oriente. Esse feito gerou ainda mais inveja em Magêncio, filho de Maximiano, porque já havia sido rejeitado em favor de Maximino Daia, filho do César Maximiano, e, com a ascensão de Constantino ficou ainda mais enfurecido. Nesse estado de ânimo, decidiu dar um golpe de estado em Roma, proclamou-se Augusto, assumindo o poder.

Magêncio declarou-se "o único soberano legítimo, o único descendente dos grandes imperadores", o que motivou Constantino a empreender uma grande campanha contra ele. Marchou para Roma com 40.000 soldados, passando incólume pelos Alpes e obtendo inúmeras vitórias e capitulações do inimigo pelo caminho. Roma, ao saber dessas notícias, trocou o desdém por Constantino pelo medo e entrou em polvorosa. Magêncio consulta os futurólogos e ouve do oráculo que não deve sair da cidade, pois caso o faça, morrerá.

Constantino marcha pela Via Flamínia, acampa nas proximidades de Roma no dia 27 de outubro e, no dia seguinte, após uma grande batalha, vence os exércitos de Magêncio, o qual perece durante a luta, seu corpo é encontrado boiando no rio, sua cabeça é cortada e exibida pela cidade espetada numa lança. Além da vitória estratégica de Constantino, essa batalha tem ainda um outro significado: ela marca a conversão de Constantino ao cristianismo, num episódio cercado de mistério e interpretações, mas que não pode ser negado historicamente. Daniel-Rops narra o episódio da seguinte forma:

Uma noite - diz Lactâncio -, pouco antes da batalha, Constantino teve um êxtase durante o qual recebeu de Cristo a ordem de colocar sobre o escudo das suas tropas um sinal formado pelas letras CH e R ligadas; é este, com efeito, o monograma que se encontra nas moedas e inscrições constantinianas. Quanto a Eusébio, informado - segundo diz - pelo seu herói imperial, que no fim da vida lhe teria contado todos os pormenores do episódio, eis a sua versão: momentos antes de entrar na luta contra Magêncio, Constantino apelou para o Deus dos cristãos e então, em pleno dia, viu no céu, para os lados do poente, uma cruz luminosa com estas palavras em grego: "Com este sinal vencerás". Na noite seguinte, Cristo apareceu-lhe e mostrou-lhe a cruz, convidando-o a mandar fazer uma insígnia que a representasse. Esta insígnia é o Labarum, estandarte em forma de cruz que, a partir daí, acompanhou os exércitos de Constantino. (p.407)

Muitos historiadores, ainda hoje, afirmam que a conversão de Constantino não passou de uma manobra política para angariar a simpatia dos cristãos e unificar o Império. Contudo, os dados históricos demonstram que Constantino era um homem que "acreditava", um crédulo. Anteriormente havia invocado o deus sol, o chamado Sol Invictum, numa outra ocasião afirmou ter tido uma visão de Apolo. Não era um cético. Além disso, sua mãe Helena, também era uma devota cristã. A ideia mais plausível é que Constantino de fato converteu-se ao cristianismo, mas manteve os seus traços supersticiosos.

O Império Romano ainda era pagão. Enquanto a elite era pagã, a classe subalterna era cristã. Quando Constantino se converteu e foi aceito em Roma como Imperador, a classe dirigente providenciou os rituais pagãos necessários para sua posse. Ele aceitou submeter-se aos rituais por uma questão política, mas também porque a superstição fazia parte da sua natureza, em que pese a conversão. Mais que isso, ele permaneceu catecúmeno durante toda a sua vida, tendo sido batizado apenas em seu leito de morte. Esta prática era comum naquela época, pois a Igreja administrava o sacramento da penitência de modo muito rigoroso e, caso a pessoa tivesse cometido pecados muito graves, deveria passar longos anos em penitência e mortificações. Esse fato não depõe contra Constantino.

Embora muitos vejam nessa conversão uma grande desgraça, pois a Igreja teria se "paganizado", é inegável que Deus se utilizou desse homem - com todos os seus defeitos e mazelas - para dar à Igreja um tempo de paz e de prosperidade, permitindo que ela florescesse, como de fato, aconteceu nos séculos seguintes.

 

           Fonte: padrepauloricardo.org/aulas/a-perseguicao-aos-cristaos-e-o-imperador-constantino

 

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