A Inquisição

25/09/2014 11:57

Esqueça tudo o que você sabe – ou pensa que sabe – sobre a Inquisição e surpreenda-se lendo, a seguir, o texto do renomado historiador americano Thomas F. Madden, professor e presidente do departamento de História da Universidade de Saint Louis (Missouri). Alguém já disse uma vez que “uma mentira contada mil vezes se torna uma verdade”; a Inquisição se encaixa perfeitamente nesta afirmação.

O texto, que dividimos em dois posts, não se encontra disponível em português.  Apresento aqui a vocês minha tradução do material (os grifos são meus).  Espero que gostem.

 

inquisicao

A Inquisição, Por Thomas F. Madden

Publicado em 18/06/2004 Por National Review

A Inquisição real

INVESTIGANDO O MITO POPULAR

Quando os pecados da Igreja Católica são contados (como tantas vezes são) os números da Inquisição ganham destaque. Pessoas sem real interesse na História da Europa sabem muito bem que a Inquisição era liderada por clérigos fanáticos e brutais que torturaram, mutilaram e mataram todos aqueles que ousaram questionar a autoridade da Igreja. A palavra “Inquisição” é parte do nosso vocabulário moderno, descrevendo tanto uma instituição quanto um período de tempo. Por exemplo, ter uma de suas audiências chamada de “Inquisição” não é considerado elogio para a maioria dos senadores.

Mas, nos últimos anos, a Inquisição tem sido objeto de uma melhor investigação. Em preparação para o Jubileu, em 2000, o Papa João Paulo II queria saber exatamente o que aconteceu durante o período de existência da Inquisição (como instituição). Em 1998, o Vaticano abriu os arquivos do Santo Ofício (o sucessor moderno para a Inquisição) para uma equipe de 30 acadêmicos de todo o mundo. Agora, finalmente, os estudiosos fizeram seu relatório, um tomo de 800 páginas (…). Sua conclusão mais surpreendente é que a Inquisição não foi assim tão ruim afinal. Tortura era raro, e somente um por cento das pessoas que se apresentaram perante a Inquisição Espanhola foram realmente executadas. Como uma manchete dizia: “Vaticano põe abaixo a Inquisição.”

Os suspiros de espanto e escárnios cínicos que têm recebido este relatório são apenas mais uma prova da presunção lamentável que existe entre historiadores profissionais e o público em geral. A verdade é que, embora este relatório faça uso de materiais não disponíveis anteriormente, ele apenas repete o que muitos estudiosos já concluíram ao estudar outros arquivos disponíveis na Europa. Entre os melhores livros recentes sobre o assunto estão “Inquisição” de Edward Peters (1988) e Henry Kamen e “A Inquisição Espanhola” (1997), mas existem outros. Simplificando: os historiadores já sabiam que a visão popular da Inquisição é um mito. Então, qual é a verdade?

Para entender a Inquisição, temos que lembrar que as pessoas da Idade Média eram, por assim dizer, medievais. Não devemos esperar que as pessoas do passado pudessem ver o mundo e seu lugar nele da forma como fazemos hoje (tente viver nos tempos da Peste Negra e veja como ela muda sua atitude). Para as pessoas que viveram durante esses tempos, a religião não foi algo construído apenas pela Igreja. Foi ciência, filosofia, política, identidade e esperança de salvação. Não foi uma preferência pessoal, mas uma verdade permanente e universal. Heresias, então, atingiam o coração do que era a verdade. Ele condenou o herege, que colocava em perigo o seu próximo, e rasgava o tecido social.

A Inquisição não nasceu da vontade de esmagar a diversidade ou oprimir o povo, era mais uma tentativa de acabar com as execuções injustas. Sim, você leu corretamente. Heresia era um crime contra o Estado. O direito romano no Código de Justiniano tornou-a uma ofensa capital. Governantes, cuja autoridade se acreditava vir de Deus, não tinham paciência para os hereges. Nem as pessoas comuns, que os viam como foras-da-lei perigosos que trariam a ira divina. Quando alguém era acusado de heresia no início da Idade Média, eram trazidos ao senhor local para julgamento, como se tivessem roubado um porco ou danificado sebes (na Inglaterra medieval isso era realmente um crime grave). No entanto, em contraste com outros crimes, não era tão fácil de discernir se o acusado era realmente um herege. Para começar, seria necessária alguma formação teológica básica – algo que a maioria dos senhores medievais não possuía. O resultado é que milhares de pessoas ​​em toda a Europa foram executadas por autoridades seculares, sem julgamentos justos ou uma avaliação competente da validade da acusação.

A resposta da Igreja Católica para este problema foi a Inquisição, instituída primeiramente pelo papa Lúcio III em 1184. Ela nasceu da necessidade de fornecer julgamentos justos para os hereges acusados, ​​usando as leis de provas, e presididos por juízes capacitados. Do ponto de vista das autoridades seculares, os hereges eram traidores de Deus e do rei e, portanto, mereciam a morte. Do ponto de vista da Igreja, no entanto, os hereges eram ovelhas perdidas que se afastaram do rebanho. Como pastores, o papa e os bispos tinham o dever de levá-los de volta ao redil, assim como o Bom Pastor lhes havia ordenado. Assim, enquanto líderes medievais seculares estavam tentando salvaguardar seus reinos, a Igreja estava tentando salvar almas. A Inquisição providenciou um meio para os hereges escaparem  da morte e retornarem para a comunidade.

Como esse novo relatório confirma, a maioria das pessoas acusadas de heresia pela Inquisição foram absolvidas ou suas penas suspensas. Os culpados de grave erro foram autorizados a confessar seus pecados, fazer penitência e ser restaurados para o Corpo de Cristo. O pressuposto subjacente da Inquisição era de que, como ovelhas perdidas, os hereges tinham simplesmente se desviado. Se, no entanto, um inquisidor determinou que uma ovelha em particular tinha propositadamente deixado o rebanho, não havia nada mais que poderia ser feito. Hereges impenitentes ou obstinados foram excomungados e entregues às autoridades seculares. Apesar do mito popular, a Inquisição não queimava os hereges. Foram as autoridades seculares que determinaram que a heresia era uma ofensa capital, não a Igreja. O simples fato é que a Inquisição medieval salvou milhares de incontáveis ​​inocentes (e até mesmo não tão inocentes) pessoas que de outra forma teria sido torradas por senhores seculares.

 

Quer saber mais?  Confira o próximo Artigo da Parte II dos textos! 

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