A Bruxaria e a Feitiçaria no contexto da Inquisição – Parte 2

25/03/2015 12:29
Em 19 de abril de 1080, o Papa Gregório VII (1073-1085), enviou uma carta ao rei Hoakon da Dinamarca em que condenava e perseguia a bruxaria existente naquele país. Esta carta está no artigo do Prof. Gustav Henningsen (Atas do Simpósio do Vaticano – La Inquisicion ey las Brujas, p. 595). Nela o Papa S. Gregório VII censurou o rei da Dinamarca (Hoakon) por ter mandado queimar mulheres acusadas de bruxaria, queixando-se de se culpar certas mulheres de causar tempestades e epidemias e todos os males, e matá-las de modo bárbaro. O Papa pediu ao rei que ensinasse o povo que aquelas desgraças eram vontade de Deus, as quais deveriam ser aplacadas com penitências e não castigando as mulheres.
 
Um beneditino de Weihenstephan revoltou-se contra a execução de três mulheres acusadas de bruxaria, e diz que elas foram “mártires da loucura do povo”.  Em 1280, a pedido do bispo de Valência, na Espanha, Arnaldo Villeneuve redigiu um tratado contra essas aberrações. Isto  mostra que não partiu e nem começou com a Igreja  a ideia de lançar as bruxas nas fogueiras, mas era uma iniciativa do povo  e dos governantes.
 
Dez anos depois se tentou no reino católico da Hungria, por edito de lei, acabar com a crença nas bruxas, em decreto promulgado pelo rei Colomon (1095-1114).
 
“Houve queima de bruxas pelo povo em 1024 em Souzdal, em 1071 em Rostov, e em 1227 em Novgorod. Em 1153 um viajante árabe Abu Hamid al-Gharnati, visitou Kiev e descreveu como as bruxas eram submetidas às ordálias da água: “Aquelas que se mantinham na superfície eram declaradas bruxas e queimadas, as que afundavam ficavam limpas e eram colocadas em liberdade.” (Atas, SV,  p. 549).
 
Segundo o historiador Gustav Henningsen, também na Rússia a Igreja condenou a crença nas bruxas. Durante um período de fome em Vladimir, entre 1271 e 1274, o bispo Serapião pregou contra a ordália da água e condenou como superstição o costume de atribuir a causa de catástrofes naturais às bruxas. (idem)
 
É importantíssimo notar o que Henningsen afirmou no Simpósio:
 
“O certo é que muito ao contrário do que se crê, as perseguições às bruxas não foram por iniciativa da Igreja, mas manifestação de uma crença popular, cuja bem documentada existência se remonta à mais longínqua Antiguidade”. (idem, p. 568).
 
“Há novos testemunhos sobre perseguição de bruxas sem o consentimento da Igreja”. E ainda: “Não encontramos nada sobre as bruxas nos primeiros manuais do Santo Ofício” (S V, p. 569).
 
Henningsen, especialista na questão, analisa o medo da bruxaria como uma crença popular com base em um sistema de ideias mágicas de certas pessoas que, se supõe, ameaçam destruir a sociedade por dentro. A maioria dessas pessoas são mulheres, mas há também homens. Considera-se que essas pessoas têm um poder natural inato, não adquirido por técnicas, mas herdado, ou obtido mediante pacto com demônios. Por isso, acreditava-se que o simples toque, olhar, de uma bruxa podia fazer mal à pessoa.  Isso provocava pânico na sociedade da época.
 
Henningsen mostra que o fenômeno das bruxas é algo quase universal; eles afirmam que pode-se comprovar que há algo comum na bruxaria europeia, asiática e africana; como por exemplo: as reuniões noturnas secretas das bruxas, com a celebração de banquetes à base de carne de seus próprios parentes; com um poder inato para fazer mal aos outros; o poder delas se transformarem em animais e voar pelos ares; deixar na cama um corpo falso em lugar do seu corpo enquanto vai à reunião noturna das bruxas; e outras coisas.
 
Ainda hoje a bruxaria continua em muitos lugares. A Revista Veja (n.2106 – 01/04/2009; p. 52) trouxe a seguinte afirmação de Ziada Nsembo, secretária geral da Fundação de Albinos da Tanzânia, falando do assassinato de albinos em rituais de bruxaria em nossos dias: “Os bruxos pedem muito dinheiro para fazer a bebida com os corpos dos albinos”.
 
A Crônica de Graz na Áustria, em 1115, fala de “30 mulheres que foram queimadas no mesmo dia”, pelo povo, sem a aquiescência da Igreja.
 
Entende-se que isso era fruto da falta de conhecimentos científicos que hoje temos e também por causa dos grandes sofrimentos do homem medieval (pestes, guerras, doenças, invasões bárbaras, saques, etc.). O misticismo acabava vendo no demônio quase o único culpado de todos os males. Daí o rigor para punir quem tivesse parte com ele. Assim, bruxos e bruxas se tornaram como que os “bodes expiatórios” para o povo desabafar seus males.
 
Um caso citado no Dicionário de Teologia Católica, francês, (DTC) é esclarecedor; afirma que:
 
“Em 15.10.1346 a Inquisição de Exilles (Dauphiné, França) sentenciou um mago por quatro delitos. Confesso e arrependido, ele recebeu apenas penitência de jejuns e peregrinações. Mas a “Cour maige” (Corte de magia) civil também o processou e o condenou à morte por 15 delitos, dos quais citamos os seguintes: 1) Teve relações com o demônio; 2) renegou a Deus e pisou a cruz com os pés; 3) escutou os conselhos do demônio; 4) o demônio proibiu-o de beijar a cruz.  Estes quatro delitos são mencionados nas sentenças dos dois tribunais,  mas o tribunal leigo continua: Compôs pós mágicos; cometeu malefícios e assassinou crianças; foi ao “sabat”; cometeu envenenamentos…” (Bernard, p. 13)
 
A maioria do povo era supersticioso, a pureza do Evangelho ainda não havia dominado a cultura; e as pessoas  viam nos magos e bruxas seus maiores inimigos,  por isso praticavam inúmeras violências e mortes desses na fogueira, contra a vontade da Igreja. Alguns adversários da Igreja falam absurdamente em “milhões” de bruxas queimadas na fogueira da Inquisição. É uma acusação  anti-histórica como ficou claro no Simpósio do Vaticano.

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